sábado, 15 de dezembro de 2012

My book


My Book


Livro iniciado em Assuncion Paraguay, 1995.

Correção da ultima modificação em Jundiaí e Campo Limpo Paulista 06-09-2001

Meu Livro: Romance Ocultista

As Rosas de Sabá

CAPITULO I

Eutífron

            O dia amanheceu diferente.
Tenho uma gata branca, peluda e um tanto manhosa demais para um animal, seu nome é Férula. Deitada ainda em minha cama num profundo sono ela se aproximou e me despertou com seus miados estridentes, a mesma expressão assustada de bicho criado em casa.
Vivo em uma fazenda nos arredores de Detroid, Nova Inglaterra, estamos na primavera do ano de 1775.
 Na grande casa ficamos eu, mamãe Sra Culdivel e meu pai Sr Culdivel, e em casebres próximos a plantação de fumo que meu pai cultiva vivem seus empregados. Com um detalhe, em nossa casa mamãe faz questão que apenas trabalhemos eu e ela, não gosta de presenças estranhas em nosso lar, por isso as esposas dos empregados trabalham na ordenha, na fabricação do queijo e na venda do leite.
Os dias estavam claros e calmos, a rotina e os ruídos do dia a dia e do trabalho árduo tiravam o sossego e o silêncio das manhãs e tardes, mas ainda assim estiveram calmos.
Levanto-me de minha cama, abro as cortinas e olho pela janela. Uma ventania maravilhosa balança os arvoredos, lavo meu rosto no lavatório em meu quarto. Ainda com minha camisola saio a fora involuntariamente, transpareço um contentamento que a anos não sentia, não tenho razão alguma de tê-lo.
Não vejo ninguém por perto, apenas a floresta diante a mim. Sou impulsionada a uma estrada de terra estreita, esta que faz bifurcação com a estrada principal de minha casa.
Caminho sem pressa, o vento eleva meus cabelos ao mais alto e produz ruídos como o de muitas vozes no meu ouvido. Nunca passei por isso, é estranho, sigo energicamente em destino ao nada, sinto as pedras e a terra no chão, sequer pensei em colocar um calçado.
Depois de alguns minutos andando pela estrada, aquela sensação não cessara. Algo em meu interior, um medo incalculável crescia, pouco a pouco paralisando minhas pernas e o corpo inteiro.
 Paro e penso:
O que faço aqui? Que espécie de sentimento invadiu-me a alma a ponto que saísse de casa ao amanhecer, sozinha, sem sequer tirar as roupas de dormir.
E me vejo com pensamentos nulos e dúvidas. Simplesmente dou meia volta, um pouco desiludida por meu ato sem sentido, porém concentro-me no caminho que não seja o contrário a casa.
Logo ao adentrar a cozinha vejo a figura de minha mãe com seus olhos arregalados, parecendo-me uma pessoa insana que na realidade é:
_Seu pai já saiu ao trabalho – afirmou querendo afligir-me – Percebeu que não estava em seu quarto. Onde se enfiou Rose?
_Caminhei apenas mamãe. O vento estava forte e as árvores...
_Esta bem, esta bem – interrompeu – seu pai ouvirá suas explicações no jantar.
_Sim senhora.
Percebo agora que as conseqüências de não se pensar no que se faz podem causar conseqüências desastrosas. Não imagino qual será reação de meu pai, espero que tenha um bom dia e não me repreenda da pior forma como de costume.
            Enquanto auxilio minha mãe na cozinha, da janela vejo toda a paisagem da floresta, percebo que a muito não observava a natureza, desde minha infância. As árvores e plantas querendo dizer-me algo, fazendo parte de minha respiração, de meu alento e dos acordes do pensamento. A ventania não cessou, tento concentrar-me no que estou a fazer, mas esta sendo difícil.
            Não existe nenhuma razão no fato de despertar para este pequeno mundo ao redor, encontro-me onipresente como se cada pedaço de natureza nesta fazenda fizessem parte de meu ser.
            O céu voltou a ter importância, respirar o ar da floresta como uma necessidade, ouvir o som dos animais, dos pássaros, dos insetos, tão contentes por viver. E tudo sendo recíproco, a natureza responde a meu chamado e o vento aos meus instintos.
            Porque não continuei em meus passos? Porque tenho sempre tanto medo? Quem sabe se os mesmos não pudessem levar-me para tão longe que jamais voltasse para este lugar?
            Chega o final da tarde sento-me na sala de estar e termino meu bordado, consigo enfim um pouco de descanso e lembro-me da pequena distância que percorri, da manhã que se foi e muitas borboletas voam ao redor das janelas em uma graciosa dança de várias cores.
Retorno ao passado e todas estas novas sensações fazem com que me encontre em um espaço esquecido da mente. Quando era uma criança, quando podia viver, e vivi, cada momento ao lado de uma amiga, também uma criança, mas que possuía uma maneira de pensar tão precoce para a sua idade, diferente e especial para mim. A única amiga que tive, um elo que durou dês do nascer até os últimos anos da infância.
Roberta...Filha de uma amiga de minha mãe, não tínhamos qualquer grau de parentesco, mas agíamos como se fossemos irmãs, sua mãe tratava-me como uma filha e ensinou-nos as duas com a mesma atenção a ler e a escrever. Seu nome é Elizabetthy, uma mulher avançada em seu tempo, tinha planos de que Roberta torna-se poliglota como ela e independente. Muito viajada e mais velha que minha mãe alguns anos.
Essa boa relação teve seu fim tão inesperado como uma tempestade de neve no inverno, seu pai faleceu e elas mudaram-se para um país muito distante, além mar. Nunca nos correspondemos, minha mãe recebeu algumas cartas e jamais lhe interessou responder, como era uma criança fiquei incomunicável com as únicas pessoas que amei em minha vida.
            Deste momento em diante segui os dias só, me acostumei com esta condição e moldei meus dias de um modo em que minhas atividades suprissem essa falta. Compreendo pouco os diálogos de meus pais e vou a vila sempre que preciso na companhia de minha mãe e nada que não seja o de costume acontecendo comigo.
            Acostumei-me também com o tédio, vivo em um lugar em que nada de novo acontece, o trabalho e sempre o trabalho árduo preenche os dias. Não temos piano, mas uma vez na semana faço aulas com uma professora da cidade e nos fins de semana e em ocasiões especiais toco na Igreja de Detroit para o reverendo Richard, minha mãe é beata assídua à igreja. Fico feliz por isso, afinal faz com que vá com freqüência à cidade deixando-me um pouco em paz.
            E nestes momentos de paz sinto um enorme vazio mesmo que passe o tempo bordando, escrevendo em meu diário lendo poesias e romances ou com minha gata...Este espaço um dia terá seu fim mesmo que este signifique o meu próprio.
            De certa forma apesar de uma repreensão exagerada por parte de meus pais tenho uma vida normal como qualquer senhorita da minha idade e formação, com tarefas, responsabilidades com a casa, aulas de piano e freqüentando a Igreja regularmente acompanhada de meus pais.
            Mamãe quase sempre fica calada, meu pai é um homem de poucas palavras com todos que convivem. Creio que possa desvendar uma pessoa muito mais por seu olhar e gestos que por suas palavras, vejo no olhar de meu pai que me ama fervorosamente, que seu amor não tem dimensões, que é mais forte que ele mesmo e nada pode ser transparecido tudo é fechado e guardado em seu peito rijo.
            Será que ele me baterá por ter saído ao amanhecer do dia? Pergunto a mim mesma e penso em vão em algo que pudesse dizer para convence-lo do contrário.
            Esta manhã meu cabelo assemelhava-se a relva, soltos ao vento, por um pequeno instante fui livre. Minha pele esta mais macia, minhas mãos transparecem a pureza, observo o vento a fora e meu corpo esta leve tão leve que tenho o desejo de voar para longe.
            Quero viver o agora, reparo em meus pensamentos, na natureza, minuciosamente, com cuidado e atenção como jamais tive.
            Logo após banhar-me o jantar foi servido por minha mãe, desço as escadas, meu pai está sentado à mesa, me olha e não espera que me sente para começar a falar:
_Onde estivestes pela manhã?
            Como toda as noites ainda continua sujo do plantio, a mesma expressão, não importa o que diga sempre permanece sem expressar qualquer satisfação pela vida:
_Fui caminhar senhor meu pai, o reverendo disse-me que faz muito bem a saúde se o fizer todas as manhãs.
_Não me importa o que diz o reverendo, não é ele que dá o sustento a esta casa, não quero mais que caminhes pelas redondezas sozinha e de a partir de hoje até segunda ordem não irá mais a vila, ficará aqui trancada enquanto sua mãe faz as compras.
_Mas papai!
_Fique quieta e sente-se jantar!
_Sim senhor.
            Logo que sentei iniciamos a oração. Não imaginava que seria tão amena a bronca. 




CAPITULO II

Proteu
Deus do mar, célebre por sua sabedoria e pelo seu poder de autotransformação

Amanhece o dia. Respiro profundamente, o ar leve entra em meu peito com carinho, ainda esta escuro, levanto-me e ouço uma música que transporta-se de muito longe, tenho certeza que não é imaginação minha, vem da direção da floresta, adentra minha casa e meu ser mergulhando no mais íntimo.
Será impossível sair afora depois do que aconteceu, a curiosidade esta me fazendo mal, desço para a cozinha, quem sabe se abrir a porta poderei ouvir melhor.
Tambores...Muito longínquo, não consigo identificar o que pode ser, forte, contínuo. Espalhasse e ao mesmo tempo condensa em um só lugar em meio ao ruído das arvores e do vento.
            De onde vem esta música? Seriam pessoas?
            Talvez um dia poderia saber. Bate continuamente e me abala por ser atraente.
            Escuto alguém descendo a escada, entro sem maior alvoroço e sento-me em uma cadeira comendo com toda a calma uma maça, é Sr Culdivel com seu passo pesado e sistemático. Aproxima-se espantado:
_Comendo maça às cinco da manhã?
_Despertei-me faminta papai e pensei em comer uma fruta...
            Neste instante a música parou, estranho mas mantenho atenção em minha fome encenada degustando com prazer a fruta.
_Estou de saída, tenho muito que fazer no campo com meus homens.
_E a colheita meu pai como foi?
_Pode ficar tranqüila que a cada dia aumenta em quantidade e qualidade pela graça do Senhor que olha por nós. Volte a repousar que ainda é muito cedo.
            Vejo que se certificou se a porta da frente estava bem trancada mas esqueceu-se da portas dos fundos na cozinha, lavo meu rosto recuperando-me do susto e novamente recordo que ainda há ainda uma porta aberta.
            Entre a sala de jantar e a cozinha esta um móvel com um grande espelho quase até o teto, me aproximo, observo-me, meu semblante alterasse, toma um aspecto estranho, amadurece. Meus olhos brilham como duas estrelas e em apenas um instante uma sutil bruma rosada aparece e some no lado esquerdo do espelho.
            Dou alguns passos para traz abro a porta e corro em direção a floresta. Os pássaros ingressam em seu canto matinal, todos em orquestra; o vento sopra com violência, pressinto uma tempestade, já amanheceu e está escuro, as nuvens estão densas no céu que quase não posso ver nas copas das imensas árvores.
            Os vegetais e plantas há tempos pedem água. Caem de sob as árvores gotas de sereno semelhante a lágrimas produzindo um calafrio ao entrarem em contato com minha camisola. Minutos atrás estava sob o calor das cobertas, sinto um imenso frio.
            A mata fecha-se a cada passo, escuto novamente os tambores, agora mais fortes.
            Irei me perder? Não...Posso encontrar, perder jamais. Estou aqui como se meu coração começara a bater neste instante, estou viva, como naqueles minutos infinitos e assustadores em que me deparei com todo meu interior no espelho.
            Tenho esperança de encontrar o porque desta força exterior a mim, que não me pertencia, dominar desta forma meus atos e pensamentos. Ouço trovões, eles iluminam todo o céu, Férula certamente esta desesperada sem mim e estes relâmpagos fazem estremecer-me o corpo inteiro.
            O verde das folhas esta mais vivo, ao iniciar a tempestade a natureza encarrega-se da primeira limpeza com o vento. Ando e as folhas secas acompanham-me no passo ligeiro, girando no pulsar da ventania.
            O som das arvores em movimento soam como vozes, anjos gritando para que siga neste impulso em que meus sentidos permanecem oniscientes. E uma mão amiga faz que continue em meu sentido maior de ver e sentir plenamente a presença de minha alma e espírito.
            Os tambores vibram agora dentro de meu peito, mais nítidos, elevam meu espírito, fazendo-me correr em direção à música hipnotizada. Algo nas folhagens me faz tropeçar e ao cair surge do solo uma serpente de uma cor que nunca vi, esmeralda, ela fixa seu olhar com o meu e tento me afastar devagar, esta imóvel, sua energia entra em contato com a minha e aos poucos me distancio mais quando enfim levanto.
            Observo a serpente se arrastando em meio às folhagens, estamos ainda sob encanto, ela some na mata. Quando não mais a vejo minhas pernas ficam sem forças e caio como um fruto maduro no chão.
            Volto em meus sentidos sem saber a quanto tempo estou aqui, chove muito, não consigo me mover, molhada inteiramente, a camisola mal cobre meu corpo, sinto frio. Ouço mais um trovão, ainda deitada vejo as arvores inclinando-se ao ponto de quase caírem sobre mim, não estou a enxergar bem ao redor, a chuva me cega, sinto-me fraca.
            Levanto devagar e ouço um ruído na mata:
_Quem está aí? – pergunto aflita – Preciso de ajuda! Alguém me ajude!
            Meus cabelos estão soltos, o poder das águas formam pequenas cascatas em meus cachos. Desespero-me; vejo um vulto por entre as árvores, algo me faz pensar que aquela serpente avisava-me para que não seguisse adiante.
            Decido rapidamente correr em direção a casa e este ser desconhecido passa a seguir-me, algo me puxa para trás, caio no chão tentando desvencilhar-me e um homem escuro cai sobre mim, tento inutilmente sair de seus braços, ele ata-me com apenas uma mão. Seus cabelos são longos e negros como seus olhos que me olham profundamente, como querendo compreender o que esta acontecendo ou desvendar algo em mim.
            Ele chega com o seu rosto próximo ao meu e encosta, posso sentir o calor que emana de seu corpo. No mesmo instante grito, tão alto que não sei como encontrei forças para tanto.
            Surpreso ele larga minhas mãos, fujo para dentro da floresta e vejo que ninguém me segue, corro em pânico e para meu alívio não estava tão longe, chego muito rápido. Esta pessoa, este homem esta muito próximo, adentro a casa e travo todas as portas e janelas, em seguida tiro o que restou da minha camisola antes que mamãe desperte, apesar de ter um sono profundo não posso arriscar e sim agradecer por chegar em casa com vida.
            Graças a tempestade nenhum empregado de meu pai me viu naquele estado. Quando sinto a água escorrer pelo corpo em meu banho não faço outra coisa a senti-la, fecho os olhos e o olhar daquele homem surge e faz sentir-me suja perante ao Senhor e a mim mesma, como um feitiço demoníaco esta imagem não se afasta.
            Deslizo as mãos por minha face e sinto o calor daquele índio, ele também molhado pela chuva, me olhando profundamente como nunca ninguém o fizera. Oro para que o Senhor não esteja oculto a meu castigo.
            Deito-me em minha cama e procuro um sono que não encontrarei depois do que aconteceu, o cansaço invade meu corpo, ficarei de olhos abertos para que não...Adormeci.



CAPITULO III

Os degraus da consciência
“A chave de tudo, a cada passo, é o próprio aspirante”. Não é o “temor a Deus” que consiste no inicio da Sabedoria”, mas sim o conhecimento do EU, que é SABEDORIA EM SI.
H. P. Blavatsky

            Desço uma escada em espiral muito estreita, com passos rápidos. Várias tochas na parede guiam o caminho, sou impulsionada para que continue como sendo empurra, em seu término uma sala escura, iluminada apenas por velas, com três mesas, o chão feito de pedras, muito antigo, trabalhado com precisão por aqueles que se foram.
            Pressinto que seja um lugar subterrâneo à séculos esquecido, e de certa forma ausente no tempo. Identifico-me com este ambiente, não é estranho estar neste lugar, enxergo com nitidez, porém uma bruma surge de várias aberturas nesta sala parecendo vir de um lugar ainda mais profundo. Uma fumaça, passa por mim e me traz a sensação de um tempo ausente a todo meu espírito, como se todos os relógios parassem e os ventos de alguma forma cessassem, estou em paz, tranqüila.
            Vejo um circulo no chão com vários desenhos e suas formas são irreconhecíveis, assemelha-se a ângulos geométricos. Algo sagrado para quem esteve ou ainda esta neste recinto, no mesmo instante ao provocar este pensamento, do funda da sala de onde vem as brumas aproxima-se um ser e todo o ambiente abala-se a esta presença, sons desconhecidos, vozes, risadas.
            Cada partícula de mim que esta diante a esta presença ficam alterados, minha alma desdobrasse e não toca mais o solo, flutuando no espaço deste momento, todas as minhas existências passam diante a mim em alguns segundos, todo o meu passado e outras particularidades de minha essência, pessoas, fatos...Inicia uma música suave de uma flauta em tons graves e por vezes agudos, sinto-me em cada acorde maior leveza, flutuo em sua direção, meus cabelos movem-se ao alto.
            Lentamente a intensidade do som eleva-se, posso senti-lo em meu ventre, estou nua, livre de mágoas, desejos e ressentimentos. Como mágica várias pessoas ou seres surgem e também aproximam-se, todos estamos integrados a uma força maior, demonstramos felicidade, saciedade; estou feliz e involuntariamente danço, sem cessar, com graça e ao mesmo tempo em um ritmo extasiado, todos acompanham-me na dança, continuo intensamente, estou mais forte, mais confiante e completa.
            Flutuo no vazio elevando-me ao mais alto aquele ser me observa e não posso identificar sua forma, mas o poder emanado de sua presença nos une e nos eleva dissipando-se no cosmos, unindo nossas essências para sempre.
De muito longe ouço um trovão e desperto, estava em meio a um sonho. As janelas batem e apesar da escuridão deste dia os relâmpagos iluminam todo o quarto. Férula não para de miar ao ver que despertei, esta com medo da tempestade ou com fome, levanto-me e quando olho na janela alguém a fora corre para dentro da floresta, o olhar daquele índio toma conta mais uma vez de meus pensamentos, tenho a certeza de que era ele e me seguira até minha casa. Agora sabe onde vivo, sabe sobre minha vida.
Há uma semana a rotina fazia os dias, uma monotonia e tranqüilidade. Agora os acontecimentos não param, tudo é confuso, desconheço o que deva fazer, o que pensar.
            Estes acontecimentos dizem-me apenas que cale meus pensamentos, esta manhã escura de primavera diz a mim Rose Culdivel que a partir de agora observe qualquer fato ao meu redor, mesmo que pareça ínfimo ou insignificante. Sem tirar a imagem do índio de minha mente ajoelho-me e oro, sem cerrar os olhos, e mesmo assim ele não se vai.
            Recordo-me de meu sonho e peço que os anjos ainda próximos, aqueles que surgiram na floresta não me abandonem e me instruam no caminho certo a seguir. Jamais tive um sonho assim que acordasse assustada, mas tenho certeza que minha vida mudará, este foi apenas um aviso, um inicio que um dia entenderei.



































CAPITULO IV

Ville d'Étroit

 

O Condado de Wayne foi fundado em 1701 pelos franceses com o nome de Ville d'Étroit e conquistado pelos britânicos em 1760. Foi nesta época aproximadamente que meus avós maternos ajudaram nesta conquista e continuaram assim a colonização da Nova Inglaterra. Estamos em uma região com menos de cinco mil habitantes cercada por dois grandes Lagos, Erie e Huron, estes que fazem deste lugar tão belo quanto o próprio oceano que nunca tive o prazer de ver, mas tenho quase certeza que sua beleza o supera.

Penso que o mar seja um bom lugar para se terminar uma vida e os lagos um recanto para degusta-la, contempla-la. Certa vez retornando da Igreja observei a lua cheia sobre suas águas e ao longe ouvi o uivar de um lobo sobre as montanhas, este momento esteve gravado em minha alma desde então, a neve caia delicadamente sobre meu rosto, algo em mim fez com que este instante ficasse eternamente gravado.
            Apesar de saber de todos os atrativos da Velha Europa não tenho vontade de conhece-la, gosto daqui, aprendi a gostar da natureza exuberante deste lugar que inebria o olhar de qualquer forasteiro que pisa nesta terra. Orgulho-me de fazer parte de um grupo de pessoas corajosas que recomeçaram suas vidas e de ter iniciado um trabalho com meu esforço e também a ajuda de meu pai.
Tenho uma criação de vacas leiteiras que iniciei a cerca de dois anos, dei inicio a um comércio lucrativo de venda de pães queijos e leite e em pouco tempo nos tornamos dos maiores fornecedores dos arredores. Normalmente inicio meu trabalho na ordenha as cinco da manhã, faço minhas tarefas em minha casa, retorno ao trabalho e deixo minhas auxiliares ao anoitecer.
            Não convivi com meus avós, pois como me contou Sra Culdivel, minha avó materna morreu logo que desembarcou de uma doença que contraiu no próprio navio. Como mamãe ainda era jovem logo se arranjou seu casamento com meu pai, sendo descendente de franceses, ele possuía uma grande quantidade de terra e meu avô um bom dote fazendo desta união uma vantagem para ambos os lados, afinal minha mãe faz parte de uma família de nobres ingleses em decadência que receberam uma oferta cobiçosa do reino para popular o condado. 
            Nossos invernos são frios com precipitações de neves, raramente ocorrendo uma nevasca. O verão é quente e úmido. Não somos castigados com o frio pela proximidade de grandes corpos de água que equilibram a temperatura estes que nos favorecem tanto no frio quanto no calor.
            Depois de passar a tempestade escuto minha mãe:
_Vamos Rose, saia desta cama que atrasei-me com o sono!
Abro a porta:
_Diga mamãe.
_Faremos um ensopado devido a este frio inesperado e quero que esteja pronto quando seu pai chegue da plantação. Tenho de ir a Vila e não terá quem a auxilie.
            A chuva cessou e o ar se tornou leve e frio. Visto-me e vou a fora atrás das galinhas para o ensopado e volto minha atenção às tarefas que devo realizar e com meu coração de certa forma arrependido por passar dos limites de casa, por minha desobediência para com meu pai e meu descuido comigo mesma.
Com pensamentos contraditórios e confusos decido não mais sair para nada e recolher-me dentro de mim mesma como sempre fiz esquecendo-me de tudo.
            Como é domingo, a vendo do leite é feita cedo e encerramos as atividades, logo que saiu minha mãe trancou-me em casa segundo as ordens de meu pai, acredita ela que quero acompanha-la para a vila, esta enganada, prefiro estar só que ouvir as conversas do reverendo e de suas amigas enfadonhas.
            Chega a noite, estou bordando na sala para descansar e meu pai entra furioso, sujo e molhado:
_Perdemos uma extensão de fumo que ainda não conseguimos contabilizar os prejuízos! – diz ele – Não duvido que sejam ectáres!
            Quando isso acontece a próxima colheita é cancelada e os prejuízos são enormes pois este tipo de comércio possui concorrência além mar e uma mudança nos planos faz perder anos de trabalho.
            Logo mamãe surge e com suas palavras secas sem qualquer doçura, mas que fazem com que se acalme, não digo nada para que toda a tenção não se voltasse para mim, estava muito abatido, percebi a gravidade da situação, os dois sobem para o quarto. Nesta noite não jantamos, tudo esta quieto, Férula todo o restante do dia passou fora e agora quer deitar-se em minha cama, não imagino quantos pobres pássaros deve ter comido, esta farta pela comida e pela sua liberdade.
            Rodeou-me por alguns minutos e ao final olhou-me com a carinha desapontada e rendeu-se ao cansaço no tapete. Fico a pensar em tudo que me aconteceu em apenas um dia, seria uma resposta que há muito tempo esperei encontrar, sempre suportando o tédio e as obrigações dos dias, eis que de repente deparo-me com minha própria consciência e vontade de mudança?
            Não sou de todo uma pessoa leiga, quando estou na cidade aproveito o tempo para freqüentar boas livrarias e a biblioteca. Conheço muitos filósofos que usam das palavras escritas em um livro para comunicar-se com aqueles que possuem um ideal espiritual e em forma de códigos fala ao nosso interior, me comunico com eles e tenho o merecimento de suas respostas, àqueles questionamentos mais íntimos, dúvidas que surgem junto ao silêncio interior e exterior.
Diderot é um deles, Montesquieu, quando conheci a filosofia cheguei a ponto de me emocionar pois o que estava escrito condizia com meus pensamentos, um consenso comum de justiça, uma sabedoria herdada por Deus.
Em um momento de minha vida despertei para estas palavras, sou uma pessoa fechada em mim mesma, não tenho novidades para contar, a rotina é a certeza de todo dia, mamãe diz que aqueles que lêem sujam suas mentes com o lodo do inferno. Tenho que esconder meus livros para não ter que ouvir seus gritos e suas reclamações, espero um momento de paz em que ela sai ou descanse no meio do dia para estuda-los.
Não transpareço, não exponho nada a ninguém afinal não é preciso um grande motivo para que meus pais me chamem de louca, sei que é o que realmente pensam. Ouvi certa vez dizerem que nunca me casarei porque homem nenhum agüentaria minhas conversas sem sentido e que devido ao contato que tenho com os índios possuem a certeza de que minha imagem esta manchada para todos na cidade.
É impossível esquecer o que se passou na floresta, oro e consigo adormecer graças ao cansaço corporal que me transporta a outras dimensões.


CAPITULO V

My God

            Ainda não amanheceu e mamãe abre bruscamente a porta de meu quarto:
_Seu pai nos levará para a plantação para vermos o resultado da tempestade que assolou vários hectares, anda vestir-se! E tire esta gata daqui, disse para que não durma em seu quarto e insiste em me desobedecer!
            Estou sonolenta e faço um esforço para descer as escadas, mal posso abrir os olhos. Sem dizer qualquer palavra ajudo sra Culdivel a preparar algo para comermos mais tarde.
            Subimos na dianteira da diligencia junto a meu pai e a noite dá os primeiros sinais do outono, pois estamos no fim da primavera, estou a ponto de congelar, os empregados também estão prontos para o trabalho e nos acompanham à cavalo, não participarei da ordenha esta manhã. O céu estrelado da madrugada me faz lembrar de meu sonho e do semblante de algumas pessoas que vi, ninguém que pude reconhecer.
            Estamos andando à alguns minutos e observo a paisagem alterar-se a extensão da floresta onde perdi-me no dia anterior, a mesma sensação de interação com a natureza com o ar que respiro, com os pássaros a iniciar seu canto.
Férula ficou quieta apenas olhando-nos partir, não gosta de passeios é muito caseira e desespera-se encontrando uma situação diferente a seu habitat. Isso me faz recordar de meus dias de solidão quando meu pai me bateu tanto que me escondeu do resto do mundo para que ninguém pudesse ver meu estado, qualquer pessoa que entrasse em minha casa ou que encontrasse inesperadamente causava-me angústia e um aperto em meu peito.
Ao deparar-me com o índio em meio a floresta não senti angustia, meu corpo paralisou como no instante que vi aquela serpente, ouvi sua respiração forte e seu calor aliviou o frio que a chuva causou, ele olhou-me profundamente e não desviei de seu olhar o que pareceu a mim um tempo infinito comparado ao curto tempo que realmente se passara.
            Estamos a algumas milhas de casa, seguimos a estrada em uma linha reta sem bifurcações, adiante vejo vários cavalos vindo em nossa direção e tenho certeza que não são os empregados de meu pai pois à muito se distanciaram:
_Entre na diligencia Rose. – Minha mãe segura em meu braço e ajuda-me a passar para a parte traseira.
            Noto que estão em três homens e são índios, os cabelos longos e negros brilhantes, as roupas de couro e a pele de búfalo sob o cavalo, a pele escura. Meu pai pega sua arma e para, eles chegam próximos em galopes fortes. Um deles acerca-se e olha atentamente para onde me encontro, posso reconhecer que é. O índio que pensava instantes antes de surgir na estrada, com os mesmos olhos negros que esforço-me para tirar de minha mente, ao me ver ele desvia seu cavalo e diz algo a seus companheiros, posso compreender apenas que disse estar perdida na floresta e algo sobre uma cascavel, o restante não consegui ouvir.
            Continuaram cercando-nos sem nada dizer, papai destrava sua arma a dá vários tiros para o alto, sem temer os tiros se vão porque era o momento de irem:
_Não se tem mais tranqüilidade para sair de casa com nossa família – assustado papai interrompe o silêncio apreensivo – Estes índios estão por toda parte como uma peste. As terras estão boas para o cultivo e então migram para as margens dos lagos para fazerem o inferno de nossas vidas nos obrigando a sentir o odor de animal que estes selvagens expelem, e Rose saindo pela madrugada sozinha arriscando-se, desafiando seu pai. Não pode ficar exposta ao perigo desta maneira!
_Meu pai – digo- o que fez pode acabar com semanas de negociações entre o reverendo e esta tribo. Eles não pareciam perigosos, estavam curiosos e queriam talvez nos ajudar...
            Não pude terminar o que tencionava dizer e ele acerta-me uma tapa em meu rosto tão pesado que caio para dentro da diligencia, sinto o gosto de sangue na boca por um pequeno corte que fez em meu lábio superior. Fico onde estou até o momento de retornarmos a casa. Ela não disse uma palavra para defender-me e não me surpreendo por isso, e foi o que bastou para concluir que devíamos ter ficado em casa e meu pai saído para trabalhar assim poderia ver sua plantação destruída sozinho. Como pode chamar os índios de animais se eles não fazem isso com suas filhas, longe deste homem estaria mais segura.
            O sol dá seus primeiros sinais a medida que chegamos ao campo agora mais tranqüila olho pela abertura da diligencia e vejo a devastação, galhos de arvores em meio a plantação que foram arrastados pelo vento, os empregados de meu pai estão a colher o pouco que sobrou do fumo. Nada penso sobre meu pai, o resultado de suas atitudes esta diante de meus olhos e sei que o Senhor que é maior sabe o que esta fazendo e não sou ninguém para vingar-me ou mal dizer-lo.
            O tempo passa até chegarmos em casa não disse uma palavra a ambos, me recolhi em meu quarto sem jantar e sequer falei com sra Culdivel. Deito-me na cama e deixo que a tristeza tome conta de mim, vejo a solidão em tudo a minha volta, não tenho ninguém e as pessoas que convivo viram as costa para as palavras que digo e me repreendem em qualquer ato.
            Tenho agora a dura certeza de que não posso confiar em minha mãe, suspeitei disso , mas estar certa disso para sempre é sentir-se sozinha da maneira mais cruel que posso existir, não foi capaz de dizer uma palavra discordando do que fez meu pai, à tempos deveria ter percebido sua omissão a tamanha brutalidade de tantos anos.
            Quero esquecer-me de suas existências, o que me deixa magoada é encarar minha realidade por eles serem meus únicos companheiros desta vida. Carregarei esta solidão em todos os dias restantes e no hoje.
            Aquele “wiandot”*1 percebe toda tristeza que faz parte de minha vida e estava na floresta naquele momento para me ajudar. Percebeu que estava em perigo e talvez perdida, que quer de mim este selvagem, acredito que pessoas a que todos se referem religiosas e morais são na verdade um poço fundo vazio, na sua ignorância e frieza para com os mais próximos.
            Este que dizem ser um animal tem maior amor a Deus e as pessoas, e seu amor é emanado de seu peito e sua inocência e coragem estão marcadas em suas faces. O calor humano que possuem, desejo profundamente reconhecer este calor em mim e não repreende-lo, anula-lo, fingir esquece-lo.
            Quero que o amor seja devolvido a mim.
            Gostaria de entender o porque deste encontro na estrada, o que queriam de nós? Porque observou tão atentamente a diligencia e logo depois disse várias palavras aos outros que o acompanhavam?




*1 (Nome dado aos índios hurões do norte dos EUA)


CAPITULO VI

Os Índios Hurões

            Também são conhecidos como “Wyandot”, seu território corresponde à região norte próxima ao Lago Huron a algumas milhas daqui, são bons agricultores e sobrevivem do cultivo de feijão, milho e abóbora, a caça fornece um alimento adicional. Vivem em tribos que consistem em até mil pessoas entre guerreiros, crianças, mulheres, anciões curandeiros e conselheiros, algumas delas estão próximas a Detroit, mas sua maior parte está mais ao Norte também populando a região fronteiriça com o Canadá.
            Meu conhecimento sobre sua origem e formação foi devido ao trabalho que realizo junto ao reverendo Richard de lecionar a língua inglesa para os índios, àqueles que querem aprender a ler e ensino também a se comunicarem corretamente conosco. Os hurons e os iroqueses, outro povo indígena-americano, possuem uma “língua comum” facilitando negociações com ambos os lados.
            Tenho uma amiga índia, seu nome é Quithuara que em sua língua significa “pássaro pequeno” e enquanto ensinei a ela o inglês aprendi a falar seu dialeto e ela me desvendou aos poucos seus costumes quando o receio do inicio da amizade foi dissipado. Contou-me também a índia que foi expulsa de sua tribo por se aproximar dos brancos sem permissão do conselho, na escassez do inverno mendigou comida pelos arredores de Detroit e recebeu abrigo do reverendo, depois disso não pode mais retornar e sofre muito até os dias de hoje mesmo tendo passado vários anos.
Pura como uma criança Quithu sempre diz que um dia será realmente como um pássaro e viajando com os espíritos da natureza e então será livre, disse-me também que me levará com ela para sempre e que não sofrerei mais e serei livre como ela, voando juntas pelas montanhas. Sou dois anos mais velha que Quithuara, aprendi a gostar de sua natureza instintiva e imprevisível e sempre que podemos nos encontramos, quando consigo fugir por algumas horas da prisão arquitetada por minha família. Mamãe abomina minha convivência com eles, diz ela que fazem jus ao nome dado pelos franceses durante a época das colônias, o nome huron é derivado de uma palavra francesa que significa brutamontes.
A semelhança entre os iroqueses e os Hurons fez com que estabelecessem uma confederação de nações tribais separadas, que neste caso eram quatro. Iniciada em meados do século XV a confederação encerrou as sangrentas guerras entre clãs rivais firmando diretrizes comuns para o comercio e a solução de disputas. A participação nesta confederação era estritamente voluntária.
Ambos são especialistas em construir canoas de bétula, os Hurons estabeleceram uma rede comercial que se estendeu além de suas terras natais. Os primeiros comerciantes e exploradores franceses, aqueles chamados viajantes trataram logo de conquistar sua simpatia, iniciaram uma relação com os Hurons que perdurou durante anos, superando o período de influência francesa até 1765 nos territórios do Novo Mundo.
Os hurons chegaram a habitar o território que se tornou depois o sul de Ontário, com o tempo os diversos clãs hurons se espalharam pelo território que hoje corresponde a Ohio, Michigan e Wisconsin.
Tenho uma compreensão muito diferente em relação a eles pois seu senso de moral e justiça ultrapassam o nível de intelecto dos europeus e aproxima-se ao culto. Seus deuses são a natureza e não lhes é permitido apossarem-se dela. Para eles o solo é sagrado, a água dos rios, os animais e eles próprios, não se imaginam usufruindo deste bem além do que seria necessário a sua sobrevivência.
Nós que estamos tão distantes a esta realidade nos cremos superiores e os tratamos como animais. Muitos deles dês do inicio das conquistas européias foram enganados, pois em suas técnicas de guerra um guerreiro confia na palavra de seu oponente e foi neste momento que oficiais se aproveitavam da situação enganando e trapaceando.
A vantagem que os brancos tem sobre eles é muito simples, a arma de fogo, o único meio que fez com que alcançassem seguidas vitórias. Com um contingente tão pequeno de soldados, por exemplo, cerca de três mil soldados dizimaram uma nação de trezentos mil índios e isso continua até estes dias, mesmo que agora estejam montados a cavalo e alguns já estejam adquirindo armas de fogo e aprendendo a trabalhar a pólvora, a vantagem dos ingleses ainda é dez vezes superior.
Não chego a pensar por esse motivo que não faço parte deste território e pelo contrário tenho orgulho de ser uma das pioneiras desta terra, sei que cada parte de meu físico e de meu espírito entram em comunhão com a natureza deste lugar que passou a se chamar Estados Unidos da América. A riqueza do solo, a grandiosidade da natureza.
Convivi com anos de conflitos, com a escassez e por muito pouco com a fome. Por ter de continuar, por ter de exercer o valor de minha terra a cada amanhecer e por isso conseguir sentir o alento de meu lar. O trabalho árduo e o suor derramado em meu rosto me fazem entender que tenho uma razão de estar aqui e não ter de partir como muitos.
Se um dia deixarei este lugar não sei, mas sei que encontrarei respostas para as questões que giram em torno de minha mente, questionamentos que ouvi pelos lábios de filósofos em meus livros e fariam qualquer um não pregar seus olhos ao anoitecer. Pensamentos destes mesmos autores que podem ser aplicados no cotidiano e faz com que seja tão explicito os defeitos de caráter dos demais e sua falsa religiosidade seu falso amor a Deus.
Levo tão a sério os livros que leio que em alguns dias ouço as vozes dos próprios autores e o sussurrar de suas palavras em meu ouvido, por vezes choro de emoção quando alguns deles fazem com que deixe de ser cega e ignorante a mente chegando ao próprio êxtase, talvez por ser minha única fonte de comunicação com o mundo exterior.
Amo a natureza exuberante que existe a minha volta, amo cada pedaço de chão em que piso. Mesmo sem conhecer a Europa não tenho o desejo de estar neste lugar mesmo que saiba sobre os progressos tecnológicos e sobre suas extravagâncias e belas arquiteturas. Sei que este amor a pátria um dia será símbolo da liberdade e da fraternidade, quando penso no futuro desta terra consigo ter esperanças de um mundo onde exista a igualdade e a evolução em todos os sentidos a caminhar lado a lado e quando este dia chegar seremos chamados de cidadãos do mundo, de irmãos.
Meu desejo concreto apenas é um dia ser livre e não ter que esperar meus pais chegarem a sua velhice para que possa viver plenamente. É saber que meu próximo passo não será um fato previsível e realizar algo sem ter esta certeza de que cada dia será igual ao outro.
Mesmo conhecendo o idioma hurão não consegui entender o que diziam de dentro da diligencia, talvez o índio lhes contava que me encontrou sozinha na floresta desprotegida ou correndo algum perigo. Talvez nunca saberei o que diziam pois não tenho contato com eles afinal vivem refugiados nas florestas e jamais se aproximam das cidades.
Despertei há várias horas e ainda estamos ordenhando as vacas, cada uma das mulheres sentada em seu banco, por vezes conversamos, mas a maior parte do tempo estamos concentradas no trabalho. Com a agitação do trabalho consegui esquecer-me do que ocorreu ontem, mas bastará deitar-me em minha cama para que estas imagens voltem com toda a força.
Depois de terminado o trabalho enchemos as garrafas com o leite para que John entregue aos moradores de Detroit antes mesmo que despertem, e também nos arredores. Junto a minhas ajudantes quaramos o queijo e salgamos para que seja armazenado. Os queijos que foram encomendados foram também levados com o pão que tiramos a alguns minutos do forno.
A felicidade destas mulheres de poderem trabalhar me contagia e todas as manhãs me trazem uma energia de sempre estar disposta a recomeçar minha vida mesmo que ela tenha sido despedaçada. O fato de várias mulheres serem úteis dentro desta sociedade é muito importante porque aqui em Detroit ainda se discriminam o trabalho feminino, apesar de dês de cedo a maioria das mulheres terem de auxiliar seus maridos ou sua família no roçado na ordenha ou mesmo em pequenos comércios, mas uma participação de ganho como acontece aqui é algo totalmente novo e por precaução deixamos este detalhe em sigilo.
Suas crianças ficam aos cuidados de uma jovem que recebe um décimo do salário de cada operaria pelo serviço e todas as tardes leciono para eles exceto às terças-feiras que tenho aulas de piano. Faço isto por caridade pois acredito que este seja o único meio onde podemos nos acercar ao divino. Mesmo sendo esposas dos empregados de meu pai e ambos ganharem seu sustento são muito carentes, por possuirmos alguns escravos que fazem boa parte do serviço o trabalho remunerado passa a não ter um valor justo.
Estas crianças estão sob minha proteção e sempre que posso consigo doações na igreja para se vestirem e como não podem ir até a escola da cidade por ser muito longe leciono também voluntariamente e aos sábados faço o mesmo para os índios. Não acredito em pessoas que se dizem tão tementes a Deus e observam as pessoas ao redor com necessidades estremas sem nada fazer.
Trabalhamos todos os dias no celeiro e tenho ao todo cerca de trinta mulheres que me ajudam sendo que nenhuma delas é negra pois minha mãe proibi que os escravos se acerquem de nossa casa e mesmo do celeiro. Há três anos que controlo este comércio de leite e conseguimos superar a concorrência de fazendas vizinhas pela qualidade e pontualidade nas entregas.
Iniciei este trabalho quando tinha quatorze anos, tive a idéia de vender o leite e depois iniciamos a fabricação de pães e queijo. Este foi o único momento em minha vida que fui apoiada por Sr Culdivel e não foi por acaso pois ele recebe metade dos meus lucros o que acho justo pois assim pode comprar mais vacas e também investir em sua plantação.
Mesmo com uma parte tão pequena tenho uma considerável economia guardada no banco de Detroit e meu pai fez para mim um documento oficial dizendo que poderia retira-lo quando quiser. O único gasto que tenho no mês são com os livros que nunca compro mais que uma unidade pois estes são muito caros mas para mim valem seu preço afinal são a chave da minha liberdade e a ponte que me leva a consciência. São muito valiosos quando me sinto longe do mundo nesta fazenda e quero também adquirir um pouco de cultura.
Infelizmente não posso fazer o pão com minhas ajudantes, pois este é feito a noite para que possam crescer e depois serem assados no fim da madrugada a tempo da entrega matinal do leite e do queijo. Meus pais não permitem que saia de casa após as seis da tarde a não ser para ir a igreja, não me importo com isso e aproveito o tempo para ler e cuidar de Férula.
A noite esta fria e tenho novamente vontades de sair, é um estimulo estranho, perco inteiramente a racionalidade que me guiava durante todo o dia. Meus medos sempre foram maiores, e neste instante não faz parte de mim. Cresce um sentimento de liberdade concreta. Olho pela janela e a lua baixa e as estrelas me chamam não posso desapontar-me mais, não consigo mais me vencer.
Abro a janela e o vento entra magistral convidando para ir-me de encontro a ele e a todos os seres pertencentes a esta floresta. Como posso pensar em sair de minha casa depois do tapa que levei de meu pai apenas por uma palavra!
Estou desconhecida, nada mais posso esperar de meus atos.
Deito-me novamente e inicio interiormente em minha consciência um exercício de questionamento, ainda se faz cedo e vou me torturando até conseguir uma explicação para estes acontecimentos recentes, quero dormir e ter outro sonho revelador, mas que este ao contrário me traga respostas e não mais dúvidas.
Permaneço cada vez mais leve o sono lentamente chega, meus sentidos e consciência continuam ligados, lembro-me do índio que encontrei pela segunda vez na estrada, do tapa que levei e várias imagens da infância acercam-se, posso ver Roberta correndo nos campos, duas crianças cantarolando e bailando ao som de uma flauta. Várias imagens de minha infância acercam-se, meus amigos invisíveis.
Não me encontro mais em minha cama estou na floresta e esta muito escuro, posso observar a violência do vento a balançar as folhagens na copa das arvores mas nada sinto e não estou a sentir também o meu corpo. Caminho e vejo uma estanha luz brilhante envolvendo as folhagens e as arvores. Estou descalça e não sinto nada no chão, este brilho inexplicável muda seus tons e possuem um movimento particular.
Procuro não me distrair, estou aqui para encontrar respostas, firmo o pensamento neste objetivo e vejo mais adiante um ponto de luz, é ofuscante e esta a se aproximar. Neste momento o medo é dissipado, quero chegar mais perto deste ser, é uma imagem feminina que me transmite paz, meu estado se altera, me transformo e consigo sentir esta paz em meu interior fechando feridas que a muito tempo foram abertas e trazendo uma força desconhecida mas precisa.
Meu espírito permanece completo ao acercar e contemplo o mesmo êxtase de quando estava unida com aquela forma estranha de chifres no outro sonho, estou feliz. Esta forma de luz permanece brilhando de uma forma que não consigo ver sua face, apenas seu sorriso, escuto então uma voz suave mas firme dizendo-me:
_Todas as respostas Rose estão em seu interior, afaste qualquer preocupação de sua mente, não esta só. Lembre-se sempre que o grande dia esta por vir onde os três grandes lagos se encontram, ficará marcado pela eternidade. Não tens nada a temer, pelo céu e pela terra nos uniremos uma vez mais e esta fortaleza homem nenhum poderá derrubar.
Algo levou (sugou) este brilho para o céu e este ser depois de dizer-me estas palavras sumiu sem deixar vestígios, no mesmo instante abro meus olhos e muito lentamente começo a sentir meu corpo.       










CAPITULO VII

Fedro

Sócrates

“...Necessariamente, um homem governado pelo desejo e escravo da volúpia, procurará no seu amado o máximo de prazer. Ora, o apaixonado gosta de tudo o que não lhe opõe resistência e odeia tudo o que lhe é superior ou igual. Por isso, o amante verá com impaciência um superior ou um igual no seu amado e fará tudo para que ele seja inferior e menos perfeito. Ora, o ignorante é inferior ao sábio, o covarde ao corajoso, o incapaz de falar ao orador, o tolo ao inteligente. Quando semelhantes deficiências se instalam no espírito do amado, ou quando lhe são próprias por natureza, o amante necessariamente se alegrará e procurará acentuar tais defeitos, pois do contrário correrá o perigo de perder seus prazeres momentâneos . É forçoso que o amante apaixonado inveje o amado, impedindo muitas convivências úteis que poderiam fazer dele um bom homem, e causando-lhe assim grande prejuízo. O maior prejuízo, porém que o apaixonado acarreta ao objeto do seu amor é priva-lo daquilo que daria pleno desenvolvimento a sua inteligência, isto é, a divina filosofia, da qual o amante necessariamente afasta o amado...”

            Fico feliz com a ignorância de meus pais por não saberem ler, este livro é um dos que estão citados em uma lista dos proibidos de se ler pela Igreja, se minha mãe suspeitasse que estou a ler-lo me espancaria com a ajuda de meu pai. Ela é uma inimiga nata da leitura, diz que as letras ao olharmos produzem formas demoníacas que deturpam a mente daquele que é temente a Deus e para ela o único que pode interpretar as palavras e escritos sagrados são o reverendo Richard.
            Estes são vendidos as escondidas em livrarias e lojas de antiguidades no centro comercial de Detroit, por me tratar de uma compradora assídua consigo exemplares vindos diretamente da França ou Inglaterra, o idioma Francês consigo apenas ler, esqueci-me das pronuncias, pois aprendi quando era apenas uma criança. Livros de filosofia e mitologia consigo em algumas ocasiões por um preço mais alto que os demais.
O Fedro é um dos mais célebres diálogos de Platão, possui intensidade dramática e é compreendido apenas aqueles que possuem alguma sensibilidade, e que podem vislumbrar os mistérios do amor. Sendo uma obra prima do ser humano pela qual Platão desmembra este tema eterno, além de ser um texto filosófico possui um teor mágico que nos faz transcender a uma época distante onde o prazer consistia em contemplar a natureza, as divindades e a arte.
Não se sabe bem quando foi escrito este diálogo julgando-se que seus manuscritos datam de 366 ª C. A inteligência nos dizeres faz que os escritos tomem a forma mais contemporânea possível e talvez até de maior adiantamento intelectual.
Penso nestas palavras que nos descrevem o que é o amor, o que é o sentido da paixão e de se estar apaixonado chegando-se a ponto de desejar a anulação de seu cônjuge. Compreendo em partes estes dizeres, pois sou leiga nestes assuntos, nunca tive qualquer contato com algum homem e aqueles que tentaram se aproximar ao observar as repreensões em meu lar sentiam pena e se afastavam.
Não tenho sequer capacidade de imaginar como seria um beijo e o contato de lábios nos meus, a mão masculina a tocar meu corpo. Inesperadamente um huron se aproximou, caiu sobre mim na floresta, rossou sua face junto a minha. Senti seu cheiro, seu calor, e todo o contato de seu corpo sobre o meu.
Se não tivesse todo este interesse pela leitura poderia temer estar esperando um filho, mas isto não é possível, pois não fui violentada por ele, mas poderia afinal alguns índios membros de tribos distantes tem o prazer de fazer isso quando encontra uma donzela branca perdida, por vingança, por ódio ou por desejo carnal.
            A vida em Detroit segue sua monótona rotina, aos sábados comparecemos aos sermões na Igreja e durante a semana participo das aulas de piano e faço meu trabalho assistencial na comunidade ensinando os índios a ler e a escrever. O interessante é que estes índios que participam da comunidade são excluídos pela sua tribo Quithuara é uma delas, aproximou-se de nós homens brancos por curiosidade e foi expulsa de sua tribo por isso.
            É compreensível o desejo que tenham de aprender e participar de algo que  difere da nossa realidade, é inerente a todo o ser humano a sede por conhecimento.
            Noto que Férula não esta. Todas as noites ela as passa comigo, não entendo porque sumiu, mesmo quando esta muito escuro vejo sua pelagem branquinha e seus olhinhos verdes me olhando atentamente toda vez que acordo. Não hesitarei em procurá-la , é tudo que tenho, o único ser que me acompanha e que me da importância é minha gata, algo aconteceu com ela ou já estaria aqui comigo implorando afagos e dengos.
            Pouco tempo passou dês de que me deitei, despertei logo após a viagem fora de meu corpo. Todos estão dormindo, quero aproveitar este momento e vou procurá-la, minha verdadeira vontade é a de sumir como ela, porém nunca mais voltar, nada mais importa.
            Por onde andará Férula, ela é tola para se virar a noite, não tem o costume.
            Felizmente a chave esta na porta, abro e adentro o bosque, não ouço ruído algum, permanece o silêncio, todos os seres se escondem neste véu negro da noite, temo andar em círculos e me perder, mas meu desejo de encontrar a pequena é maior do que todo o temor deste mundo.
            Escuto um miado e começo a chamá-la, entro em pânico e quero chorar, será que esta em perigo Senhor?
_Férula onde esta? Volte aqui comigo, não fique sozinha na mata. Férula!
            Escuto outro miado, mais perto, corro na direção e passo por uma arvore troncuda, a lua esta iluminando o bosque, alguém me agarra elo braço e vejo minha gata sair em disparada para a escuridão da mata. Quero correr também mas não consigo, estou de costas para a pessoa, e pela força das mãos e pelo calor e odores raros pressinto ser o mesmo índio que queria ajudar-me na florestas durante a tempestade. Dou um grito:
_Solte-me quero ir por favor.
            Onde estamos ninguém poderia nos ouvir, percorri muito até começar a escutar os miados de Férula, meus gritos foram em vão. Ele vira-me sem esforço e olha profundamente em meus olhos despindo minha alma, aproxima-se com seu rosto e começa a cheirar-me como um animal que usa seu faro, conhecendo algo desconhecido a ele, assemelha-se a uma criança descobrindo um ser encantado.
            Involuntariamente também sinto o odor de seu corpo que esta de encontro ao meu e o que mais me assusta é que ele solta meus braços e não tenho vontade de fugir, não me movo, e sem tirar seus olhos dos meus ele passa suas grandes mãos nos meus cabelos e em meu rosto, é áspera.
            Apesar da escuridão vejo seus lábios, cor marrom, o vento move seus longos cabelos negros, e também os meus, ele começa a rir e sei que o motivo é por não ter fugido. Sinto-me enganada por ele e saio correndo, escuto-o dizer algo que não compreendo, corro mais rápido e consigo distanciar-me bastante, sei que ele não quer seguir-me e correr o riso de aproximar-se de minha casa, se quisesse me pegaria em instantes, tem muita experiência na floresta, para ele sou um frágil pássaro que pode pegar quando quiser.
            Com muita sorte todos dormem, subo as escadas com cuidado e Férula esta a minha espera em frente ao meu quarto, com os olhos estalados, paralisada. Aproximo-me dela:
_Férula meu amor – digo – Fiquei tão reocupada, nunca fugiu assim no meio da noite.
            Escuto seu miado tão indefeso que chego a conclusão que não fugiu. O índio a pegou e escondeu-se na floresta. Que quer ele comigo? Tenho contato diário com índios mas jamais tive contato com hurons livres, é estranho, anormal. Não tenho medo ao seu lado e até sinto uma proteção.
            Como viverá ele? Quais serão seus costumes. Viver na floresta não deve ser fácil. Cuidar de uma asa é difícil, fazer a comida, estar em meio a floresta é lutar pela sobrevivência a todo instante.
            Melhor não pensar mais nisso, tenho problemas demais e não quero desejar em nenhum momento encontrar aquele índio novamente, quis enganar-me, raptou Férula e não esquecerei que agora esta a rondar minha casa, e pior, esta me procurar.
            São três da manhã, cansada, e o sono não vem, a imagem do índio não sai de minha mente por sequer um minuto, saber que sou importante para alguém, me faz pensar em estados inéditos e possuir sentimentos novos, sensações nunca experimentadas. Um selvagem, que me acompanha com seus pensamentos. Suas intenções em relação a mim estão confusas, se aquela viagem fora de meu corpo me trouxe respostas, no modo prático e real de minha vida navego num mar de incertezas.
            Mas o que será o real? A realidade do espírito ou da minha matéria?
Por merecimento tive um sonho revelador porém não consigo parar de pensar nele, a cada fechar dos meus olhos, é o mesmo que estar em contato com sua pele quente e acolhedora, sua energia pura e natural, sua força selvagem.
Serei eu mais uma pecadora? Uma suja perante a Deus? Possuir estes sentimentos sublimes é pecado meu Deus?
            Aos olhos de muitos desta idade, manter encontros, sem importas se estes são involuntários, com um selvagem seria motivo para prender-me e matar-me. Ou então estar se encontrando com um homem que não fora designado por meu pai seria motivo de ser condenada pela cidade e difamada.
            Creio ser uma louca, mesmo sendo esta uma palavra abominada por Jesus. Disse ele que ninguém é louco, mas que temos problemas de ordem espiritual que podem ser tratados, sua sabedoria ultrapassa qualquer entendimento, e retiro rapidamente o que pensei.
            Ao imaginar suas mãos e seu todo em meus pensamentos um calor sobe de meu ventre e tira-me completamente o sono, viro-me de um lado e de outro e este calor me envolve trazendo-me uma vontade incontrolável de correr e fugir, encontrar-me com esta pessoa que observa meus passos, que esta atenta aos meus atos e minha vida. Quando o índio olhava me profundamente tive a impressão de estar diante a uma criança, sua curiosidade transmitia-me inocência, entre nós nasceu ali uma afeição.
            Um estado de conhecimento entre duas culturas distantes, entre dois seres completamente estranhos, imagino minha mão deslizando em seu rosto do mesmo modo que ele fez, meu corpo acercando mais e mais. Quero em vão afastá-lo de minha mente, sua presença entrou em minha vida sem permissão.
            Trocaria tudo o que vivi até este momento, nestes poucos dias pelo silêncio e o vazio de antes? Falta-me a coragem para responder, pois todo o meu ser possui a resposta, assim como em meu sonho aquele ser de imensa pureza alertou-me de que uma nova era em minha vida começou. Tenho a chave que abre o caminhos destas respostas e de muitas outras e não quero entender algo em mim repreende, e quer impedir-me de enxergar.
            O dia esta clareando, durmo por alguns instantes mas minha mente não me abandona e parece gritar em meu interior, medo e dúvida se misturam.
            Os pássaros iniciam seu cantar e cantam sem cessar, percebo a alegria em seu cantar, como se algo maravilhoso esteja acontecendo. Como se todos os sentimentos raros que percorrem o meu corpo habitam seu pequenino ser.
            Meu cansaço é enorme mas uma euforia estranha me faz sair da cama, mamãe já esta trabalhando, lembro-me que o reverendo vem nos fazer uma visita, como é de costume, para mim é um dia como qualquer outro e nunca importou-me, seu interesse é especular nossa vida por sermos um dos poucos que estão longe de suas vistas, assa todo o tempo a comer e a fazer perguntas.
            Para mamãe este é um dia sagrado, deixa a casa impecavelmente limpa, faz a melhor comida e se isso a faz tão feliz procuro ajudá-la como já o faço todos os dias.
            Será um pouco difícil, uma noite toda em claro era algo que desconhecia, ao deparar-me com ela minhas suspeitas são confirmadas:
_Que olheiras são essas Rose? – ela diz com seus olhos arregalados - Nunca a vi assim ao despertar!
_Não sei mamãe, sinto-me um pouco cansada apenas.
_O reverendo nos visitará, não ode ter este aspecto. Vá banhar-se que todo o serviço esta adiantado.
            O odor da comida pode ser sentido pelos arredores da casa, instantes antes do almoço ouvimos o som dos cavalos de sua carruagem, fomos dar boas vindas ao reverendo, pedimos sua benção e entramos em casa. Enfim sentamos a mesa para comer e antes que toque na comida  o reverendo desata a falar:
_Todos comentam na vila que estão passando por um momento difícil, que a colheita foi arrasada elo temporal – diz ele enquanto minha mãe serve sua comida - , mas apesar disso creio que hoje será um dia muito feliz para sua família, afinal chegou da Inglaterra uma carta direcionada a Rose, e esta aqui no meu bolso.
_Mamãe uma carta. – digo eufórica.
_Esta importante Rose – ela diz sorrindo algo raro de se ver – Uma carta da Inglaterra!
            Pego rapidamente das mãos do reverendo Richard:
_É de Roberta! – digo.
            Os dois me olham atentamente esperando que abra, emocionada corro ao meu quarto para ler.
_Que felicidade, uma carta de Roberta!
            Reparo em no envelope e percebo que foi violado e que fora sem efeito restaurado, não me importo, sei que este reverendo não é portador de boas maneiras e meu maior desejo agora é abri-la e ler as palavras de minha amiga. Ler dez mil vezes se for necessário! Ao ler a data que foi escrita vejo que foi à quatro meses. Este pedaço de papel tão importante para mim viajou terra e oceano até chegar à minhas mãos.

**********************************************************************************************
Inglaterra, 13 de fevereiro de 1770

Rose...

Faço que sejam breves minhas palavras pois o maior motivo de minha carta foi que realizarei o sonho de estar com a senhorita, a tanto tempo almejado, e expressar-lhe tudo que em todos estes anos não pude.
Oro para que estejas bem, ao lado de Deus, cumprindo seus deveres e tarefas do dia a dia.
Cumprir um sonho é meu desejo. Dentro de quatro luas após esta carta chegar estarei a caminho de sua casa, farei uma visita em breve pois estou com muita saudades de todos.
Temos de realizar nossos sonhos.
Sua amiga e irmã de criação

Roberta Strulches Benklman

**********************************************************************************************

            Imaginava páginas e páginas e vejo diante de meus olhos algumas linhas... Saberia ela que a carta seria violada?
            Releio e reparo que ela menciona a palavra sonho três vezes, certamente minha amiga quer dizer algo com isso e por conhecidencia ou não tive sonhos reveladores ultimamente, ligo então os fatos fiando atônita, imaginando a distancia que nos separa e com sua força e determinação nos uniu novamente.
            Anos se passaram e só agora Roberta deseja ver-me, resolve procurar-me e nos dias que precede esta carta minha vida começa a mudar.
Não posso ficar aqui trancada, darei uma satisfação ao padre e a minha mãe ou estranharão minha atitude.
_Mamãe – digo quase sem fôlego _ Roberta virá nos visitar!
_Deus seja louvado – ela diz- Que boa noticia!
            E o reverendo completa:
_Eu disse que seriam boas noticias, uma visita traz prosperidade a casa.
Não me admira que saiba tanto, violando correspondências...
É um dia típico de verão, o céu azul sem nuvens, o tempo ameno, assim como o meu coração, é uma maravilhosa noticia, uma carta que trouxe a alegria de volta a minha vida e principalmente a esperança 
 _Sempre estive tão só – disse – Terei uma companhia, ao menos por um tempo.
_Tens a companhia de Deus minha filha – diz o reverendo – Principalmente agora que lhes faço uma visita, trazendo as palavras e o conforto no coração e ao vosso lar.
_Amém reverendo. – Mamãe e eu dizemos em uníssono.
            Mal consigo comer tamanha é minha felicidade, as mãos trêmulas, mamãe observa-me feliz também a sua maneira. Jamais trocaria toda a monotonia de antes por tudo de bom que se passa comigo, tenho vontade novamente de viver, cantar, pular, estou de verdade feliz, e não mais só.
Através desta carta minha infância retornará a minha memória transmutada na forma de minha amiga Roberta, falta-me as palavras para expressar-me, sou capaz agora de assimilar meu contentamento e nada mais a minha volta, o reverendo Richard e a senhora Culdivel não param de falar da vida alheia e sequer os escuto, não me importo. Assusta-me pensar que contarei as horas e os minutos para a sua chegada.











































“...Ó Mestre
Fazei que eu procure mais consolar que ser consolado
Compreender que ser compreendido
Amar que ser amado
Pois é dando que se recebe
É perdoando que se é perdoado e
É morrendo que se vive para a vida eterna...”

CAPITULO VIII

Os dias passam rapidamente e o verão chega ao seu fim, dês de que Férula sumiu não sai mais de minha casa e o índio não rondou mais as cercanias. Saberá ele que agora tenho algo que me preocupar? Que não estou mais a sentir tristeza e de alguma maneira algo me acompanha e preenche meus dias e meu coração?
Ultimamente minha imaginação esta desenfreada e no instante em que surge uma dúvida logo uma parte especial aflorada dentro de meu ser traz rapidamente a resposta a qualquer questão. Estava a pouco tempo atrás morrendo um pouco a cada dia e o Senhor todo poderoso enviou-me estes anjos para que o restante da chama que mora em meu interior não se fora para sempre.
Ha mais ou menos dez anos, quando separei-me de Roberta foi difícil para uma criança que era compreender, e logo depois suportar ficar todo o tempo sozinha com meus pensamentos. Esperava na porta todos dias com a esperança de que voltasse, a imagem de sua carruagem sumindo na estrada até os dias recentes é viva e permaneceu guardada em mim, acompanhada da dor que senti por estar lentamente me tornando uma pessoa só.
Anos se passaram e tive a graça de encontrar Férula toda ferida na estrada. Voltava da vila com minha mãe e vi apenas um pontinho branco todo encolhido, minha gata estava aponto de morrer, dei um grito para que o homem que nos levava parasse e contra a vontade de mamãe desci da carroça e a peguei nos braços, tratei dela, curei suas pequenas feridas uma a uma pois era apenas um indefeso filhote e lhe dei seu nome que surgiu pelo fato dela se parecer com uma pequena fera, toda peluda.
Creio que devido ao seu passado traumatizado Férula não goste de sair de casa, prefere o aconchego do lar. Fico contente pois ela me agradece todos os dias pela vida que tem, não consegue ficar um minuto sem mim, também sou grata a ela por aliviar-me um pouco a prisão que é minha vida. Depois que a encontrei senti-me confortada em saber que um ser tão especial de Deus depende de mim para sobreviver e tenho um imenso prazer em estar em sua companhia.
Roberta toma conta de todos os meus dias, uma incerteza crescente de como esta minha amiga nestes dias me faz refletir muito. Quando pequena já demonstrava uma personalidade forte, não ouvia sermões e sempre possuía uma resposta na ponta de sua língua afiada. Neste época várias famílias moravam por perto e devido a presença dos índios todos aos poucos foram se afastando para a cidade, meu pai comprou várias terras ao redor de nossa casa por um preço irrisório, foi de certa forma uma vantagem para ele.
  
  Brincávamos entre muitas crianças e qualquer dificuldade minha Roberta defendia-me, dês de cedo demonstrava sua coragem, não importava quem fosse ganhava minhas dores, do contrário sempre fui muito medrosa e nas horas de travessuras o incentivo vinha de sua parte e quase sempre acabava em palmadas, para mim, pois ela nunca apanhou de seu pai ou sua mãe.
            Surpreendo-me rindo sozinha em vários momentos do dia, alegra-me lembrar-me da infância, antes causava-me dor pois acreditava que nunca mais a veria. Meu quarto foi mudado por mim e minha mãe, tiramos uma cama do porão que estava esquecida e colocamos ao lado da minha, por conhecidencia esta cama era usada quando Roberta vinha a casa dormir, ou melhor dizendo para não dormir afinal passávamos todo o tempo na janela contando as estrelas e inventando canções engraçadas, tudo era divertido, riamos dos nossos pais, das pessoas da cidade. Éramos as únicas normais, nossas idéias eram as mais certas e verdadeiras, nos gabávamos por sermos as únicas meninas que sabiam ler e escrever.
            Estará ela muito mudada? Certamente que eu sim fisicamente. Imagino que continue esperta como antes, seria tola se escrevesse fatos demais na carta, quer dizer pessoalmente, citou três vezes seus sonhos e seu desejo de estar aqui comigo, o que me leva a crer que da mesma forma que eu pensou em nossa amizade , em nossa afeição.
            Tenho uma certeza dentro de mim que Roberta sabia sobre o meu sonho, pude vê-la por que ela quis ser vista, quis comunicar-se comigo e mostrar-me que não estou só, que tenho de ser paciente.
            Sou muito inferior a ela, nada se passou em minha vida durante todo este tempo, as mudanças iniciaram antes de sua carta chegar. Minha vida se resume as idas a igreja, aulas de piano e aulas de leitura e escrita para os índios. Em casa de manhã trabalho na ordenha, na confecção de pães, cuidando de meu canteiro de ervas, escrevendo em meu diário, agüentando minha mãe e meu pai e cuidando de minha gata.
            É o que me manteve viva, todas estas tarefas que fazem com que me esqueça de pensar na prisão que o senhor Culdivel criou para sua filha.
            As pessoas na vila comentam o fato de não ter amigos e de não participar do convívio com os jovens da idade, e é verdade, minha unia amiga é Quithuara, a índia que trabalha na casa do reverendo Richard e mesmo assim não temos tempo para fiarmos conversando muito, a coitada é explorada pelo padre, e assemelhasse a uma escrava negra que faz todos os afazeres sozinha.
            Nada tenho a contar-lhe, ao mesmo tempo que entre nós permanece uma irmandade temo que esteja distinta demais, é diferente de quando se é uma criança e se torna uma adolescente, os pensamentos mudam, assim como as pessoas na vila me vêem como uma anormal Roberta pode pensar o mesmo. Duvidas me corroem por dentro, como estarão seus cabelos...lisos ou cacheados.
            Que martírio. Onde estará ela neste momento? Estará em direção a minha casa? Tudo é tão vago que parece que estou sonhando. Não quero acordar! Porque somente agora deseja ver-me?
            A segunda lua se vai, entramos na lua cheia e a noite esta clara, depois de um dia de árduo trabalho estou na janela, um pouco entediada, os dias de uma certa forma estão a passar rapidamente, hoje tardou em passar, faz um calor acolhedor de final de verão, soprando de vez em quando um vento que balança as cortinas. Sinto novamente vontade de ir a floresta, respiro profundamente e a coragem inexplicável que não é inerente a mim toma conta, do fundo negro das arvores vejo uma luz brilhar como se me chamara, convidando para que saia, o silencio reina em toda a casa e não hesito.
            Meus pés descalços entram em contato com a estrada e um forte vento passa por mim, a noite é agradável, não preocupo-me com o tempo e atravesso a floresta até o instante que encontro uma estrada ando por ela e logo ela divide-se em duas, vou à direita caminho um tempo e pouco a pouca ela fica mais estreita transformando-se em uma trilha e tudo se passa com o olhar continuo da lua que brilha intensamente.
            Não vejo mais o ponto de luz, não me importa, este apareceu para dar-me o impulso que faltava, termina a trilha, adiante vejo um bosque lindo de eucaliptos, o forte vento faz com que todos eles estejam em movimento, posso ouvir o ruído da violência em que batem uma nas outras, sinto-me bem e completa como ser humano, como mulher. A natureza faz parte desta sensação, pulsando fora e dentro do meu corpo.
            Estou leve, pareço estar sonhando. Entre eu e  a floresta esta um grande pasto, a relva acaricia-me em meu caminhar, vejo alguns pontos escuros em meio ao pasto e ao acercar são cavalos, lindos, estão todos juntos hipnotizados pelo clarão da lua. Chego cada vez mais perto e eles percebem minha presença.
            Quero tocá-los, quero senti-los, ouvir seu respirar, eles movem-se na minha direção, calmos serenos Omo me sinto, são muitos, brancos, marrom, esbeltos, livres! Um deles que esta mais a frente parece estar atraído, não para, os outros apenas o segue, ele esta tão próximo que ouço seu respirar e ao tocá-lo um forte vento sopra, escuto vozes que surgem do horizonte a gritar meu nome e muitos risos, os cavalos assustam e fogem em galopadas e aquela noite tão cálida transforma-se agora em um inicio de tempestade em instantes, vejo relâmpagos sob a floresta de eucalipto, corro de volta a estrada, sinto o medo que estava distante, ele volta com toda a força.
Todas aquelas vozes assustou-me assim como assustaram os cavalos, todo o medo que possuo volta ainda mais intenso, toda a insegurança que estava esquecida retorna em meu peito, as vozes continuam e me seguem, quando a estrada divide-se em duas novamente as vozes param, ouço apenas os trovões e o vento a uivar, de uma certa forma tudo se acalma, percebo que ainda estou muito longe de casa, caminho mais rápido.
Chegando próximo a casa alguém esta parado na estrada, é meu pai, tenho vontade de voltar para traz e correr, se o fizer não poderei voltar nunca mais, tenho de pensar em Roberta, ela será a solução que encontrarei e meu socorro, tenho plena certeza disso, chego próxima a ele e sem nada dizer ele pega-me pelos cabelos e começa a golpear-me, a dor que sinto é tão grande que caio, ele começa a me chutar, me acerta de todo lado até que desmaio.
Um dia depois volto em minha consciência , não consigo levantar da cama, as dores por todo o corpo não deixam, mas a dor maior sinto em meu coração, estou sofrendo, tenho medo de olhar-me no espelho, meu rosto esta muito inchado, Férula esta quietinha ao lado de meus pés, receia que a tire da ama, começo a chorar e não quero mais parar.
            Triste é saber que existe pessoas insensíveis que não compreendem um ato seu e por qualquer deslize possa agir com tal violência que por pouco lhe tire a vida. O que será do meu destino se Roberta não querer ajudar-me. Não posso colocar toda a esperança em uma pessoa que não vejo a anos. É loucura.
            Mas dentro desta realidade em que vivo não existe outro fim senão a loucura, sou presa, meu pai não deixa qualquer pessoa aproximar-se de mim como se fosse uma doente, não fala comigo, nunca deu-me um abraço, como se realmente tivesse uma doença contagiosa. Vivo em uma prisão com a alegoria de uma família, jamais soube o que é de verdade uma família.
            Mamãe entra no quarto e não me dirige uma palavra sequer, deixa a comida e procuro comer sem pedir sua ajuda, não consigo pois as dores são maiores que minha fome quase inexistente, escuto o barulho da carroça, estou sozinha, certamente ela foi a vila, e meu pai esta na plantação dês de cedo como é de costume.
            Ouço o barulho de passos na escada, mas é impossível levantar-me para ver quem é, a porta abre, é ele, o índio que encontrei em meio ao bosque e estivera a tanto tempo ausente, todos estes dias. Aproxima-se e me olha assustado, esta banhado em suor, vejo que correu muito para chegar até aqui:
_È perigoso ficar aqui! – digo em seu dialeto, o convívio que tenho com os índios fez com que conseguisse comunicar-me com perfeição.
_O que aconteceu com você? – ouço sua voz e fico estasiada com o som grave e ao mesmo tempo tão doce.
_Meu pai me bateu?
_Bateu porque estava na floresta? – ele diz.
_Sim.
_Vocês homem branco são perversos. Meu povo não faz isso com seus filhos, nossos filhos são livres como os pássaros.
            É a primeira vez que me comunico com um índio livre e selvagem, tenho contato apenas com aqueles que estão sendo catequizados pelo reverendo Richard, apesar das dores e do perigo desta situação estou feliz por ter este contato.
_Porque você veio aqui?
            Ele não responde e ajoelha-se ao meu lado dizendo palavras que não compreendo, uma oração, ele pega minha mão e coloca em seu rosto, vejo lagrimas em seus olhos que caem devagar molhando minha mão, começo a chorar também, ele enxuga as minhas lagrimas e tenta tirar-me da cama carregando-me, tiro suas mãos:
_Não posso sair daqui, não agora, talvez algum dia.
            Ele observa a comida ao meu lado e de alguma forma quer dá-la a mim, em toda a tristeza que me encontro vejo graça em seus atos, sem usar os talheres ele segura nas mãos a vasilha de sopa e aos poucos me faz engolir, posso então alimentar-me.
            Com a claridade do dia em meu quarto reparo seus traços. Como é belo este homem, seus cabelos brilham, negros como a noite, seus olhos são castanhos e profundos, tem um semblante de um menino, mas seu rosto é marcado pela maturidade de um homem que já viveu muito para a pouca idade, ficamos em silencio e por vezes nos olhamos no olhos.
O modo como ele observa-me deixa claro um sentimento que sempre ouvi falar mas nunca o reconheci em mim e em ninguém próximo a mim, o de amar incondicionalmente, amar o ser humano, sem esperar algo em troca, apenas o carinho e o profundo respeito, sem expressar em palavras, dizendo no olhar, nos gestos e principalmente nos atos. Em certo momento paro de comer pois me dói o estomago, após meu desmaio meu pai continuou a me bater como se fosse um descarregar de suas penas, soube tempo depois por um empregado.
            Quero que ele entenda que precisa ir, alguém pode chegar e feri-lo, não posso permitir que nada aconteça a ele, agora ele faz parte de minha vida, me compreende:
_Você tem que ir embora _ digo _ È perigoso ficar aqui.
            Ele tira algumas folhas de dentro de suas vestes:
_È para usá-las em seu banho para curar as feridas. – Ele diz em um tom muito sério.
_São para aliviar as dores?
_Sim. – ele responde
            Beijo sua mão, seus olhos enchem de lágrima e com pesar ele se foi, deixando o conforto de sua presença amiga, guarda as folhas no travesseiro e adormeço.
            Acordo com os grito de minha mãe dizendo que me levante:
_Vamos, saia desta cama, esta a mais de um dia sem banhar-se, irei ajudá-la. Além de todo trabalho que tive de fazer sozinha na casa!
            Estou um pouco melhor e digo:
_Posso fazer isso sozinha, apenas encha a banheira de água , tomarei banho sentada.
            Ela não responde mas acredito ter ido fazer o que lhe pedi. Como não perguntei o nome do índio huron chamarei-o em meus pensamentos de amigo, sua pessoa é familiar a mim, depois de sua visita sinto-me muito melhor, após sua sincera oração não estou a pensar em meu penar, tenho maior força. A tristeza que estava sentindo tardaria a recuperação e ao recordar-me de sua pessoa dentro de minha casa posso até sorrir.
            Trago para dentro de mim perseverança e pouco a pouco vou saindo das cobertas, meu corpo esta inteiramente inchado, com manchas negras e roxas, quero voltar a chorar mas me repreendo, não posso perder as forças agora, dou cada passo com muito esforço, não esqueço-me das folhas mas escondo-as abaixo da camisola para que mamãe não as veja. Certamente serão benéficas para a recuperação de minha saúde e tranquilizará meu espírito.
            Quithu muitas vezes explicou-me sobre o poder curativo das plantas, em sua tribo eram usadas em forma de chás, ungüentos e defumadores. Foi ela que ensinou-me o muito que sei sobre os hurons, durante as aulas de leitura e escrita, e também foi ela quem ensinou-me a falar este dialeto.
            Ao entrar em contato com a água quente da banheira sinto dores terríveis e a sensação de que irei desmaiar. Jogo as folhas dentro da água, um aroma raro toma conta do aposento, diminuem as dores, meu corpo parece desfazer-se na água e de alguma forma começa a fluir naturalmente e a equilibrar-se.
            Vendo-me agora nua recordo-me exatamente dos lugares que mais fui acertada, e de repente chego a conclusão de que o índio viu meu pai espancando-me, afinal como saberia ele que estou doente. Creio que estava sendo observada por ele dês do momento que sai de casa, foi prudente de sua parte não defender-me, isso poderia acabar com um ano de paz entre o povo da cidade e sua tribo.
            Respiro profundamente, fecho meus olhos e permaneço um tempo restaurador, anoitece, a chama das velas pouco iluminam, imóveis como o instante presente. Em toda a minha vida presenciei estados parecidos em meu espírito. A percepção de um tempo paralisado, inexistente, me ocorrendo quando é noite, como se todos os relógios neste momento parassem e a minha alma ingressa em uma viagem para um outro estado consciente que não possui medição de tempo, pertenço a uma outra dimensão, are-se a janela da percepção.
            Estou ligada a um tipo de entendimento não pertencente a este mundo, a esta época. Apesar de toda esta realidade trágica, todas estas marcas em meu físico, existe algo especial que não me abandona, que esta sempre ao meu lado, levando-me a estas dimensões que minha alma conhece, uma parte de mim, talvez a mais importante e a que de verdade importa.
            A racionalidade que tanto me força a querer entender nunca me trará a explicação para estes eventos, todo o ar que esta no recinto torna-se rarefeito, esta pode ser uma lógica... Sei que não é, a resposta não pode ser racional e sim intuída, sei também que terei as respostas, cedo ou tarde.
            Não consigo pensar em Roberta diante de todos estes problemas, sua carta disse-me muito, sendo que o mais importante foi destacado em nossos sonhos, estes intermináveis, de estarmos juntas. Não sei onde esta e como estará ela, o que faz, porém imaginar estar ao seu lado me da forças para estar viva e esperar o tempo que for preciso, passando por qualquer martírio.
            Tenho de viver o presente, em minha pena, mesmo desejando que ela estivesse agora ao meu lado e seguir adiante sabendo que sou importante para alguém.
            Aproveito este instante de cura, o poder da cura neste recinto que adentra meu corpo através das folhas, esfrego-as em todo o corpo, em todos os hematomas como me explicou o índio e todo o aroma parece agora sair de mim. Fecho meus olhos e vejo seu semblante sereno, seus olhos cheios de lágrima por ver meu estado. Sua bondade acerou-me a Deus, não me sinto só.
            Um homem que nada entende sobre nossas crenças traz o Senhor novamente a minha vida como se através de seus olhos Ele observasse o meu estado, estou aqui a um bom tempo, tenho de repousar. Com cuidado levanto-me, retiro as folhas, jogo-as por uma pequena janela que dá nos fundos da casa, melhorei um pouco mas o cansaço agora é maior, necessito deitar.
            Quando finalmente estou a ponto de dormir, deitada em minha ama, ouço um ruído na porta. Esta sendo trancada, querem me manter em um cárcere, não confiam mais em mim e usam como armas chaves,não estranharia se me acorrentassem, depois da brutalidade que meu pai me fez provar, nada mais me surpreende.
            Apesar deste fim trágico estou impressionada com o que ocorreu comigo, dias atrás. Liguei-me sem involuntariamente ao sobrenatural, nascendo uma comunicação entre o meu ser e o vento, e as plantas ou a própria noite.
   
Diante dos cavalos, a natureza estava em sua maior expressão e eles sentiam o mesmo que eu, a mesma pulsação da vida em que o ser humano e a natureza vibram os mesmos acordes, eles estavam sendo atraídos por mim, algo nos uniu naquele momento.
Possuo algum dom? Estou ligada naturalmente aos fenômenos a minha volta? Porque surgiram do horizonte aquelas vozes, clamando meu nome, os risos, por toda parte?
Que respostas poderei ter encerrada entre quatro paredes, sem falar com ninguém, sem expressar meus sentimentos.
Antes de pensar em agir preciso me lembrar o meu estado físico e por hora a melhor solução é dormir. Oro e agradeço a presença de meu amigo, solidário, amável mesmo sendo ele um selvagem, que provou ser confiável e onde nos ombros pude confortar as aflições.
O ruído das chaves assustou-me, mesmo sendo como são é a primeira vez que me trancou em meu quarto, afinal antes não precisaram mas se caso desse algum motivo para isso não iriam hesitar. Após alguns minutos de oração a tranqüilidade de meu banho reina em meu corpo e adormeço com a imagem do índio, sereno, que fez parte esta tarde de meu sobreviver.
È tarde quando desperto, a porta esta aberta, dou alguns passos pela casa observando minha recuperação, aos poucos volto ao normal, passando os dias meus hematomas vão clareando sua cor e doem menos. Não mantenho dialogo algum com meus pais, passo todo o tempo calada, as aulas de piano estão abandonadas porque minha mãe não quer que a senhora Margaret me veja neste estado.
De nada adiantaria as aulas pois o meu vazio seria preenchido apenas com carinho e os sucessivos treinos e as repressões de minha mestra trariam apenas mais solidão.
Nesta tarde inesperadamente, mamãe dirige-me a palavra, enquanto águo calmamente as plantas ao redor da casa:
_Rosa, irá a vila comigo, falarás com o reverendo, tens de se confessar, esta é a ultima esperança minha e de seu pai.
            Continuo calada sem interromper o que faço e ela continua
_Daqui alguns dias Roberta chegará e não quero que a veja atormentada por demônios como esta. Vamos, vá aprontar-se!
            Que ingenuidade a de minha mãe, crê que todo tormento habita o meu ser e fecha totalmente seus olhos diante a violência daquele que diz ser meu pai. A mim pouco importa, faz tanto tempo que não vou a vila que me fará bem.
            Todos estes dias que se seguiram orei, todo o tempo, minha voz foi calada, mas dentro de mim a oração esta viva. Como de costume todo o caminho até a vila estive acompanhada de Deus, tudo o que me aconteceu trouxe um aprendizado, percebi que a natureza sempre esteve ligada a mim e Omo estávamos atravessando toda a estrada a caminho da vila tenho um bom motivo para reparar em toda a vegetação, a diversidade de pássaros de todas as ores que nos cercam e todos os desenhos tão lindos que estão rabiscados na imensidão dos céus pelas nuvens.
            Começo a avistar os arredores da vila, temos sorte de vivermos em uma casa tão boa, de termos um pedaço de terra, pois isso não acontece com todos daqui, principalmente nos arredores, há muitos casebres de camponeses que trabalham para os grandes proprietários de terras, uma vez por mês as mulheres da igreja fazem caridade e sinto uma enorme satisfação por fazer parte deste grupo, nestas horas que dou valor a comida, a bebida, a minhas vestimentas e esqueço-me da prisão que envolve minha vida, em cada casa levamos a bíblia e trazemos a palavra de Jesus, o mestre do amor.
            Quanto a isso não sou digna de reclamar de meu pai, sempre pagou em dia seus impostos e dedicou toda sua vida para que tivéssemos um conforto que não são todos que tem, passa noites em claro arando os campos, trabalhando dia após dia sem descanso igualmente a seus empregados. As demais pessoas que não possuem uma posição nesta sociedade são humildes em suas vestes, tudo é demasiadamente difícil de se conseguir neste país, meus avós forma corajosos por saírem de seu lugar de origem e desbravarem uma nova terra, desconhecida, por terem sido um dos primeiros tiveram a possibilidade de progredir.
            È triste ver tantos serem explorados por almejarem ter o mesmo que nós, alguns vem da Irlanda outros da Escócia, são iludidos sobre um futuro de prosperidade e chegam aqui para trabalhar apenas para seu sustento. É certo que não temos nenhum titulo de barões ou duques, mas até estes dias não passamos pr nenhuma necessidade, tudo o que meus avós investiram foi recompensado, podem descansar tranqüilos, pagamos nossos impostos sem maiores esforços e somos respeitados na cidade como nobres.  
Chegamos a parte do centro e as construções são ricas, os casarões luxuosos sendo que vários deles freqüentamos. Como sempre acontece várias pessoas acenam para minha mãe, O cocheiro para diante a igreja e diante dela vejo um homem em farrapos, um pedinte parado nas escadas, nosso cocheiro ao nos acompanhar por pouco o pisoteou, reparo que este homem mantém visíveis muitas feridas, como se não lhe bastasse sua condição...
Ouço um comentário de minha mãe:
_Esta gente chega daqueles países imundos e pobres para emporcalhar Detroit, tanto trabalho a fazer e ainda temos de nos encarregar destes seres pestilentos para nos dar prejuízos.
_Não seja tão dura mamãe – digo – Este homem não escolheu adoecer.
_Cale a boca que não estou falando com você sua insana.
            Finalmente encontramos o reverendo, Quithu esta ao seu lado e arrega-la os olhos ao me ver, creio que o motivo são os hematomas que ainda estão em meu rosto, mesmo depois de todo pó que minha mãe passou. Eles nos deixam a sós e ficam a esperar-nos no grande salão.
            Como habitual me confessei e não disse nada a ela do que me ocorreu, todos aqueles fenômenos, disse-lhe que teria dado um inocente passeio pelos arredores da casa e que meu pai havia me corrigido da sua maneira.
            Exatamente como esperava o reverendo Richard concordou com a reação de meu pai que me bateu e quase me matou, disse-me que em outra igreja poderia ser punida e julgada por estes atos e que apenas não o fez porque sou muito temente a Deus e acredita em minhas palavras.
De maneira alguma demonstrei revolta por meu pai e como ele digo que concordei e aceitei a esta atitude. Ao sairmos do confessionário ele deixou-me na sala sozinha orando, rapidamente Quithu adentra a sala:
_Sua mãe vai a feira com o revendo Richard – diz ela ofegante por ter vindo o mais depressa aqui– Poderemos conversar!
            Quithu tem todas as características de uma índia norte americana, cabelos negros e longos, olhos castanhos. O que a difere das demais índias são as vestimentas, ela usa vestido branco e aventais sobre ele, é uma serviçal da igreja, trabalha para o reverendo Richard e para seus pupilos, lava, cozinha e faz todo o trabalho sozinha incluindo o de limpar esta imensa igreja e cuidar da horta que é mantida para a subsistência de todos os demais índios que aqui vivem.
            Os demais hurons que aqui vivem trabalham no campo e nada recebem por isso, alguns deles são sobreviventes de guerras entre tribos rivais ou mesmo de conflitos com o homem branco, nós brancos. Geralmente quando o reverendo e minha mãe saem para as compras tardam em voltar, ele faz questão de acompanhá-la afinal ela sempre lhe presenteia com algo.
_O que aconteceu com você Rose? – Ela me pergunta aflita.
_Meu pai me surrou, por muito pouco não morri.
_Ele é um monstro Rose. Porque ele fez isso?
_Sim é mesmo um monstro, sai durante a noite e fui andar na floresta, algo me impulsionou, uma força estranha, meu pai acordou e me esperou voltar na estrada   – digo – Estou cansada Quithu mas tenho um motivo para estar feliz.
_Qual, me conte. Você vai fugir Rose?
_Não. Recebi uma carta – continuo- de uma amiga de muito tempo, fomos criadas como irmãs e ela me ama muito, talvez me ajude a desaparecer daqui.
_Meu coração enche de alegria por saber disso, eu te amo também Rose.
_Se conseguir fugir levarei você comigo. – digo.
_Não posso – ela baixa a cabeça – Muitos precisam de mim aqui, mesmo sendo de tribos diferentes são meus irmão, alguns são apenas crianças Rose.
_Terá bastante tempo para pensar.
_Sim, pensarei minha amiga Rose – ela continua – Você virá amanhã dar as aulas?
_Não sei se mamãe ira permitir.
_Quithuara! – ouvimos um grito, é uma voz feminina – Onde esta você sua índia preguiçosa!
_Tenho que ir Rose, se conseguir voltar venho aqui me despedir.
            Dou um beijo em seu rosto, ela me abraça com força
_Fique com Deus Quithuara.
_Sobreviva Rose, por nós e por Deus.
            Esta igreja é a sede em Detroit, existem outras espalhadas pelos arredores mas esta é freqüentada pelo alto clero do condado, as outras são humildes capelas espalhadas nos pequenos povoados ao redor. Sempre quando estou aqui aproveito o tempo sozinha para examinar cada detalhe desta construção, erguida através do trabalho árduo dos primeiros habitantes, como é rico aproveitar este lado de viver e saber contemplar tudo, as pessoas estão ligadas a sentimentos mesquinhos que se esquecem de contemplar o que é belo, o trabalho executado, as pinturas, os bancos por exemplo, feitos de madeira rígida todo trabalhado por artesãos, importante também pelo tempo de sua existência.
Vou caminhando e sentindo a paz que habita a morada do Senhor, mesmo que nem todos tenham as mesmas intenções de amar ao próximo como a si mesmo existe aqui a paz e adentro uma outra dimensão.
            Superior a todo o mal que cerca, sublime, e Jesus, meu grande mestre, o detentor da verdade, esta ao meu lado, aquele que esta acima da justiça, que a tudo perdoa e que em seu semblante divino se encontra a resposta de todas as perguntas, a verdadeira razão de estarmos aqui, o Amor.
Empreender, dar cada passo pelo amor, respirar, andar viver pelo amor a todos os seres viventes, a natureza e nosso supremo Deus. Entro em uma outra dimensão e compreendo o que me aconteceu e perdôo. Afasto-me de meus cinco sentidos e as dores não existem mais, apenas meu espírito esta presente neste recinto, minha alma e a ligação que tenho a este poder sublime.
Sou grata Senhor, por sua bondade, por estar viva e presenciar o milagre da vida, do pulsar de toda a natureza manifestado em todos os acordes desta musica maravilhosa que é meu ser. A perfeição esta em Ti Jesus e esta em mim.
Somos feitos a imagem e semelhança de Nosso Pai.
Sem pensar no tempo caminho por todo o espaço, sinto-me um ínfimo ser diante da grandiosidade deste lugar, a parte superior interna parece não ter fim, percorre pelo ar um aroma velas queimadas e de defumação, alguma resina de arvore queimada, deixando-me tranqüila. Foi proveitoso ter vindo aqui, distraio-me da dor, esqueço dos problemas maravilhada pelo elo, sem limitar-se apenas a beleza, mas a contemplação que cura-me de todas as aflições, dançando em meu interior a energia da renovação, a paz que existe em Deus, em tudo que faz parte de sua  expressão.
            Escuto um sussurrar em meu ouvido:
_Desperta!
            Olho diante a mim e vejo um corredor estreito, vou em sua direção e há uma escada em caracol, sem hesitar desço a escada, no final dela vejo três portas. Fecho meus olhos, abro, e escolho a terceira a direita.
Andei por esta igreja por diversas vezes mas nunca explorei este lugar, abro a porta e adentro um salão repleto de livros, estantes imensas que correm por todas as paredes dês do piso até o teto e o que mais me chama a atenção é um grande livro negro que esta aberto sobre um pilar de mármore, acredito que este livro deve ser comumente manuseado pelo reverendo e seus alunos .
O revendo Richard é um dos assistentes do Bispo na Nova Inglaterra, este que por poucas vezes esteve na cidade, seu trabalho é executar as leis da igreja por toda região povoada em Detroit e nas províncias vizinhas.
Estou quase certa de que é a Escritura Sagrada A Bíblia, em sua capa à vários símbolos, o símbolo da Justiça, seu titulo é Supremo Poder da Santa Inquisição, ao manuseá-lo mais uma vez vejo como é pesado, é muito antigo, escrito com pena e tinta sem impressões, seu odor faz cócegas nas narinas, possui muitas gravuras, vária delas de pessoas acorrentadas sendo levadas por monstros de chifres, jamais vi algo assim em toda minha vida, mesmo freqüentando comumente a biblioteca da cidade., mulheres nuas sendo queimadas em fogueiras, vários astros e estrelas com rostos obscuros.
Apesar de seu caráter maligno e a penumbra que o envolve acho muito intrigante e leio rapidamente algumas páginas descrevendo ritos, missas especiais de exorcismos, explicando como que uma pessoa demonstra estar possuída pelo demônio, quais as características de uma pessoa enfeitiçada. Em um capitulo especifico esta descrito detalhadamente a confecção e modo de se utilizar instrumentos de tortura, um desenho abominável.
Depois disso leio sobre alguns critérios usados em seu julgamento e o processo de perdão da Santa Inquisição que consiste no ato confesso do individuo e sua devida punição, e se caso o acusado se recusar de confessar seu pecado a punição é a morte. Chego ao capitulo IV, diz algo sobre como se reconhecer mulheres de comportamento desenvolvido ao culto da bruxaria e a ostentação ao demônio, sob estas páginas esta descrito tudo o que uma mulher, homem ou até uma criança fizer que coloque-o sobre a suspeita deste tribunal, qualquer habitante da condado, camponês ou nobre.
O que mais me impressiona é que varias colocações deste livro se encaixa a mim como conversar com plantas, seres invisíveis, ver pontos luminosos, conversar com plantas e animais, estar ligado a fenômenos naturais. Adorar imagens que não sejam da santa igreja, praticar curandeirismo, manter relações com índios e homens selvagens, ter relações homossexuais.
Sei que é proibido o curandeirismo mas não tinha consciência que podem ser aplicadas penas tão severas por isso, preciso alertar a Quithu o mais rápido, é muito ingênua e ao querer auxiliar alguém pode estar correndo um perigo enorme. Voltarei mais vezes aqui e se possível anotarei algumas coisas.
E as características continuam, passear pela noite, cantarolar musicas incompreensíveis, dizer orações a vários deuses e outras coisas sem sentido como possuir uma determinada marca no corpo, pinta ou cicatriz.
Possuir a dádiva de ser uma pessoa que percebe seus sentidos mais sublimes e que procura viver o lado mágico da vida é crime! Um ser humano que possui sensibilidade, que deseja exprimir sua gratidão a natureza é punido com torturas e com a morte. Tanto tempo este Padres, Bispos passam estudando, assuntos sobre sangue e morte, e esta barbárie é também direcionada a crianças, estou atônita e confusa com o que acabo de ver e ao mesmo tempo aliviada por interar-me destas atrocidades e saber sobre o que jamais devo fazer ou falar.
Continuo a folhear o grande livro, aparecem novas gravuras, novamente com mulheres sendo queimadas, com expressões de horror ou acorrentadas em grandes objetos, não consigo descrever pois nunca os vi. Homens encapuzados adentrando lanças em seus corpos, corro perigo ao observar estas páginas, certamente se trata de algo secreto para a população daqui, estas praticas ainda não chegaram a esta província, o inglês escrito é muito antigo vindo da Inglaterra.
Casas sendo queimadas, bestas horríveis ao redor destas pessoas, chuva de lanças e fogo sobre todas estas mulheres. Porque seriam as mulheres aquelas que mais são atacadas?Gostaria de investigar a fundo esta obra literária terrível e estranha a toda tranqüilidade e paz que Deus irradia a minha pessoa, mesmo sendo eu alguém que pratica atos tão duvidosos como me provam estes escritos.
Ouço um ruído atrás de mim, minhas pernas ficam bambas, quase desmaio, escuto o som de passos na escada é Quithu:
_Rose, sua mãe e o reverendo chegaram, vamos!
            Não me recordo em que página estava o livro mas lhe dou as costas e vou atrás de Quithu. Felizmente eles não nos vem saindo deste corredor, recupero-me do susto e retorno a sala do confessionário. Ambos adentram a sala:
_Rose eu e o reverendo estávamos a sua procura!
            Ela diz aos gritos como o costume:
_A razão é que esta catedral é tão rica em beleza que ao observá-la me esqueci do tempo. – digo.
_Realmente Rose é muito bonita, porém nunca deves caminhar aqui sozinha, sempre que quiser visitá-la terei muito gosto em acompanhá-la.
            Ele diz de uma maneira cordial imagino eu sem suspeitar do que estava fazendo, felizmente me vê como uma menina ingênua e tola.
_Lhe sou grata reverendo.       
    Não me recordo em que página estava o livro mas lhe dou as costas e vou atrás de Quithu. Felizmente eles não nos vem saindo deste corredor, recupero-me do susto e retorno a sala do confessionário. Ambos adentram a sala:
_Rose eu e o reverendo estávamos a sua procura!
            Ela diz aos gritos como o costume:
_A razão é que esta catedral é tão rica em beleza que ao observá-la me esqueci do tempo. – digo.
_Realmente Rose é muito bonita, porém nunca deves caminhar aqui sozinha, sempre que quiser visitá-la terei muito gosto em acompanhá-la.
            Ele diz de uma maneira cordial imagino eu sem suspeitar do que estava fazendo, felizmente me vê como uma menina ingênua e tola.
_Lhe sou grata reverendo.                                            
            Acompanho Quithu ao salão de refeições dos índios onde esta sendo servido o jantar, logo depois assistiremos a missa. Fico em silêncio durante a refeição e Quithu faz o mesmo, afinal vários noviços nos observam com olhos ávidos, as crianças me observam curiosas creio eu por meus hematomas, que mesmo sutis ainda são perceptíveis.Todos perguntam-me sobre os dias de minha ausência, disse que estava enferma.
            Assistimos a explanação do reverendo Richard, a igreja repleta de fieis, as imagens do Livro rodopiam em minha mente, as palavras do reverendo sobre a vida de Jesus, sobre o seu sacrifício pela humanidade, sobre o seu amor pela humanidade em nada condizem com o que vi naquele manual macabro.
            Todas aquelas imagens ficaram fixadas em minha mente, como um redemoinho o que li no livro se une com os fatos que ocorreram comigo, meus sonhos, as musicas que constantemente ouço em meu interior. Um anjo sussurrou em meu ouvido para que entrasse naquela sala e descobrisse o que estou me tornando, uma feiticeira, uma xamã, algo extremamente perigoso.
            Toda a magia entre o meu ser e a natureza, queria expor ao mundo o que sentia, tenho ainda esta vontade que todos a minha volta despertem para estas melodias maravilhosas que fazem parte da natureza e de nós mesmos. Em tempo algum me esquecerei de tudo que vi e li pois esta inteiramente ligado aos acontecimentos.
            Seria pela mão do Altíssimo que fui enviada a sala onde o livro estava para que não me tornasse alguém suspeita para todos, ou a mão do demônio? Que se passa em minha vida?
            Não obstante as duvidas voltamos na calmaria, aproveito o ar noturno, tenho frio mas me agrada o ar noturno, e percebo que tenho de evitá-lo, é um horário que sinto vigor em meu corpo, principalmente quando estou fora de minha casa acercada a floresta, as estrelas pouco a pouco nos da a graça de seu brilho. Preciso aquietar minha mente e recuperar meu juízo perdido, oro em pensamento, em  meio ao caminho de volta e novamente minha mãe interrompe minha oração silenciosa:
_Disseram-me na vila que os navios da Europa chegam de semana em semana pois esta é uma rota costumeira de transporte de mercadorias, Roberta em breve chegará afinal já faz um mês que sua carta chegou.
            Novamente mamãe fala comigo, seus rancores aos poucos desaparecem e ela volta a dar-me atenção:
_Tens razão mamãe, acabei por esquecer-me, como pude.
_Percebes agora como andas com a cabeça não sei onde – ela continua – Tens um bom motivo para estar alegre, ocupada com assuntos de mais valia.
_A senhora esta com toda a razão, como pude ser tão tola.
_Chega de lamurias, o que importa é que temos de deixar a casa como um palácio para que sua amiga tenha sempre um bom conceito de nossa família, Roberta sempre foi acostumada ao luxo e a riqueza, foi muito mimada por Elizabethy.
            Toda preocupação se foi quando troco algumas palavras com mamãe, um ar de normalidade toma conta, não guardo nenhuma mágoa em meu coração, ela não é culpada pelas circunstâncias. O que vi no livro “Supremo Poder da Santa Inquisição” prova-me que vivemos em uma época de trevas e que existem atitudes por maiores tiranas. O que papai fez... foi o que estava ao alcance de sua razão, Jesus ensinou-me o perdão, tenho de perdoá-lo o quanto antes.
            Chegamos na entrada do rancho, enquanto mamãe e o cocheiro recolhem as compras, abro a porta de minha casa e por pouco não tropeço em um ramo lindo de flores, sabendo de quem são recolho rapidamente para que ela não as veja e levo para meu quarto. Minha intuição me diz quem as trouxe, e ao reparar nas flores em meio ao ramo estão algumas folhas juntas amarradas que foram colocadas em seu interior provando-me que estou certa, meu dedicado amigo lembrou-se novamente de mim e demonstra mais uma vez seu desejo que melhore, quer colorir minha vida, um homem da natureza, da floresta é também possuidor de sensibilidade.
            Será ele um anjo que por merecimento conheci, que se preocupa com meu estado e com meus passos?
            De certa forma este índio me fez esquecer de Roberta, preencheu minha alma e todo meu quarto se preenche de vida, percebo que sim tenho muito que contar a minha amiga e que este espaço vazio nesta cama ao lado pede a sua pessoa, chegou a hora Roberta, este é o momento, perdoei meu pai, minha mãe aos poucos volta a falar comigo. Como tudo tem seu tempo, o tempo de Roberta chegou.
            Uso as folhas no banho, agora estou completamente curada, as feridas interiores e exteriores se foram e inexplicavelmente se foi também toda a mágoa nelas contida. A palavra curandeirismo me vem a mente, será isto que estamos fazendo através das folhas? Não me importo. Toda a impressão que tive daquele livro foi da pior espécie e todos os sentimentos que fazem parte de meu restabelecer de saúde são de todos puros.
            Oro até ser suficiente o tempo de estar em contato com as ervas tão benéficas, jogo-as pela janela depois de usá-las e ouço minha mãe bater suavemente na porta:
_Abra, quero falar-te.
_Sim senhora...
            Abro a porta e ela continua:
_Seu pai e eu lhe daremos mais uma chance, não trancaremos seu quarto, por isso faça por merecer nosso voto de confiança.
_Não sabes como estou feliz por ter sido perdoada!

            Sem demonstrar-me qualquer contentamento por minha melhora, ou carinho por mim, deixou-me falando sozinha e deu-me as costas. A satisfação de estar livre é maior que qualquer indiferença, o bem estar e boas energias ainda permanecem em meu corpo, o sono não vem, todas as luzes apagaram, não ouço o ruído terrível de chaves na porta.
Férula sem pedir licença deita ao meu lado e me implora carinho, seu pelo branquinho, macio e ao anoitecer a chama das velas realçam o brilho de seus olhos verdes. Como é dengosa esta gata, como gosta de minha companhia, não consigo me imaginar sem ela em hipótese alguma.
Coloco Férula sob o tapete para que durma e depois de algum tempo estou a ponto de dormir, uma mão toca-me as costas, viro-me depressa e o vulto me é conhecido, ele, meu amigo arriscando-se, arriscando sua vida.
_O que faz aqui – digo em seu dialeto – É muito perigoso você vir aqui!
            Ele quer me dizer algo de muita importância, acendo sem fazer ruído uma lamparina, ele toca minha mão, seu calor preenche meus sentidos, seu olhar adentra a alma e desconheço o que passa dentro de mim neste momento, como se houvera uma chama entre nós viva:
_Haverá uma guerra – ele me diz aflito e continua – Fugirei para o oeste, mas voltarei.
            Apesar de estar assustada com a sua presença em minha casa, correndo perigo de meus pais surgirem presenciando este homem ao meu lado, meu peito esta cheio de alegria em vê-lo.
_Qual é o seu nome? – Pergunto.
_Thuocawa. E o seu nome? – ele pergunta.
_Rose.
_Como sabe falar nossa língua?
_Aprendi com Quithuara.
_Não posso vir mais aqui, não te verei mais.
            Em um movimento involuntário eu o abraço, ele segura com as duas mãos minha cabeça juntando sua testa na minha e como um sonho fecho meus olhos e vejo um lugar imenso e claro, dourado como o sol, não posso suportar a claridade, esta luz tornasse mais intensa e se mescla com imagens de serpentes de várias espécies movendo-se diante de meu campo de visão, abro meus olhos assustada e deparo-me com seu rosto tão próximo como jamais esteve, ele me olha, nossos lábios se tocam, todo o seu calor toma conta de meu corpo, sinto a maciez de seus lábios escuros e grossos, meu corpo quer desfalecer no chão, ele segura-me com toda sua força e coloca sua mão em meu rosto para transmitir-me que fique tranqüila.
            Não quero que se distancie, ele ajoelha-se diante aos meus pés e ajoelho-me também abraçando-o uma vez mais:
_Não quero que vá Thuocawa.
_Nos atraímos – ele diz – Como o relâmpago atrai o solo e o solo atrai o relâmpago.
            Ele ajuda-me a levantar, abraça-me novamente e se vai, quero correr atrás dele, não posso, é tempo de Roberta chegar, fico imóvel de pé em meu quarto, ainda sinto seus lábios nos meus, sua imagem tão presente em minha mente, não quero que se vá, quero observá-la em pensamento, sua força percorre todo o meu corpo, esta em toda parte, sinto, e é muito bom, seu cheiro esta no ambiente, estou leve como um pássaro, posso voar pela floresta acompanhando seus passos firmes, tudo o que pertence ao seu todo atravessa meu corpo como infinitas lanças.
            Os tambores voltam a tocar, escuto de muito longe e percebo que são reais e que sua tribo pode estar perto daqui, estão partindo, porque apenas eu escuto estas musicas... é impossível pensar em retomar o sono, estou completa por seu espírito, ao mesmo tempo perdida por não estar mais ao seu lado, procuro deitar-me, mas querendo em meu intimo correr em sua direção, um dia quem sabe poderei, este não é o dia propício.
            Meus pais não podem sequer sonhar com o que acabou de acontecer, Férula ainda esta escondida com medo, sempre faz isso quando aparece alguém estranho. Não consigo sentir-me culpada por nada, foi um ato sem refletir, sem haver tempo de se preocupar com conseqüências.
            Muitos rapazes pediram minha mão a meu pai para casamento, pessoas de boa família, ele não permitiu por ser muito nova, estou com dezessete anos e até esta noite sequer aproximei-me de um homem, e esta noite beijei um selvagem. Papai mataria a mim e a ele se presencia-se esta cena.
            Durante minha adolescência li muitos livros de romance onde príncipes raptam donzelas, sendo envolvidos por um amor doentio e avassalador, onde a maior parte das vezes concluía um fim dramático ou para meu agrado desfrutava finais felizes, cheios de esperança.
            Recordo-me de leituras esquecidas que descrevem a razão do sentimento chamado amor, o que senti foi um forte atração e o que vejo nos olhos dele sim é algo puro que posso chamar amor.
            É inacreditável como meus desejos estão se realizando, instantes antes de sua chegada pedia para sonhar com sua pessoa e poder agradecer ao menos em sonho, e sua imagem adentra meu quarto, real, tão real como tudo que já vi, todos os sentimentos que passaram dentro de mim, a ternura que nos envolvia foi todo magia, ardia uma chama, a mesma que estava esquecida a tanto tempo, aos poucos este homem foi cultivando em todos os dias que o encontrei, como se voltasse a viver. Não quero deixar morrer mais uma vez esta chama.
            Sinto-me vazia dês de que ele saiu por aquela porta, mesmo que não o veja nunca mais, guardarei a imagem de Thuocawa como um tesouro. Em nossa vida damos maior valor quando estamos no mais fundo e alguém nos estende a mão, e este homem colocou em risco sua vida, não quis nada em troca e quando o beijo ele ajoelha-se demonstrando sua culpa como se representasse algo sagrado, intocável.


OBS : Quando Rose estiver em Londres sentirá este vigor e ficará a andar pelas ruas durantes as madrugadas e uma noite ela encontrará o cara que terá a ossada da cabeça do bode e lhe dirá todas as palavras e códigos que são ditos em todas as reuniões e que ela se apaixonará, sem o consentimento de Rober e Fendrue, ela sairá as escondidas.
           

            Como posso dormir sabendo que existe alguém que  faz parte de meu ser e que ainda esta muito perto. Sua presença é poderosa, todas as serpentes que passaram por nossas mentes e aquele lugar desconhecido a mim é maior que tudo que li, que aprendi e presenciei em minha vida, instantes antes de vê-lo pela primeira vez fui avisada por uma serpente de sua força, pude tocá-la com meu instinto, como um só ser e um só pensamento.
            Seu rosto lembra-me a natureza, um animal raro, ainda o tenho vivo dentro. Gostaria de saber que o que sinto é o que todos chamam amor. Meus pais convivem como irmãos a anos e anos, nenhuma demonstração de carinho, troca de olhares não existe entre eles, o que sei sobre uma relação entre um homem e uma mulher aprendi através dos livros.
            Quando tive meu primeiro sangramento pensei que iria morrer e o único que mamãe me disse foi que uma vez por mês teria de usar toalhas, higienizando e trocando até o sangue cessar,até estes dias  não encontrei livro que pudesse esclarecer tantas duvidas e mamãe provou-me que não tem interesse algum em dissipá-las.
            Sei que Roberta possui as respostas para tudo que indago e muito mais, viajando como viajou e tendo uma mãe tão boa como parecia-me, certamente antes mesmo de seu ciclo iniciar ela já sabia do que se tratava. Ao concentrar meus pensamentos em minha amiga, por conhecidencia ou não as janelas e as cortinas se movem e o odor da tempestade toma conta. Vou até a gaveta onde esta sua carta e ao tocá-la ouço de fora risadas, porém distantes, curioso serem semelhantes as que ouvi na estrada, todos os meus pelos do corpo arrepiam, quero esconder-me sob as cobertas.
            Como explicarei meu cansaço a mamãe? Não conseguirei permanecer em pé durante a manhã.
            Quando esta carta chegou fiquei um longo tempo sem havistar Thuocawa, saberia ele inconscientemente que Roberta viria? Ou que estava com a mente ocupada, mais feliz, e por isso não necessitava de sua pessoa?
            Tudo o que envolve minha vida a cada minuto faz nascer um novo enigma. O que serão estas risadas que ouço, de quem são, de onde vem? Seria um havizo?
            Este ar gélido me da a sensação de uma mudança. O que mudará?
            Começo a entender o porque de querer sair sem rumo, tenho ânsia de respostas, sou como um ser trancafiado em si mesmo, tendo de decifrar sinais de estados naturais ou sobrenaturais e ao mesmo tempo não me reconheço mais.
            Conheço uma pessoa que aprendi a gostar e nem ao menos posso apreciar algum tempo ao seu lado ou conversar com ela. Mas estou feliz em saber o seu nome. Thuocawa.
            Começa a chover serenamente, mas chove, vou fechar a janela, esta quase amanhecendo, não vejo sinal algum dele na floresta, preciso descansar, apago a lamparina e me deito esperando o tempo passar, pois somente o tempo trará soluções, o tempo correrá a meu favor custe o que custar.
            Adormeço por um longo tempo e percebo que mamãe não despertou-me como é de costume, abro meus olhos, meu corpo esta descansado, toda a casa esta silenciosa, a esta hora ouviria ruído de panelas e os gritos de minha mãe, creio ser meio dia, vou até minha penteadeira e vejo uma mancha sob a carta de Roberta, cor púrpura como sangue, nada que tenha conhecimento poderia derramar sob o papel, ficou totalmente ilegível. Já não me espanto com os fenômenos que ocorrem, como não posso obter resposta agora ignoro.
            Estou preocupada com mamãe, deixou que dormisse toda a manhã, ao descer vejo sentado na sala o cocheiro de meus pais:
_Que faz aqui Jonh? – pergunto espantada- Onde esta minha mãe?
_Os índios atacaram a cidade senhorita Rose, roubaram a criação do povo, os cavalos e até mataram alguns homens. Seu pai levou Dona Olalia para uma reunião que haverá na igreja e mandou que ficasse aqui vigiando a casa. Infelizmente o tempo de paz com eles acabou mais uma vez.
_Algum índio foi morto Jonh?
_Não, eles saquearam tudo durante a noite e migraram para o oeste.
_Toda a tribo fugiu? - Pergunto.
_Não, aqui tem muito índio senhorita Rose, o restante, as mulheres e crianças estão escondidos nas florestas.
            Estou triste pelo que aconteceu no Condado mas ao mesmo tempo desfruto uma satisfação por não ter ocorrido nada com os índios, Thuocawa tinha tudo em mente quando veio ver-me, veio despedir-se apenas. Ele voltará, sei disso.
            Dispenso a presença de Jonh, estão precisando mais dele na vila. Preocupo-me apenas com Quithu e com os outros índios.
            A paz reina quando estou só em minha casa. O dia escuro pelo mau tempo é um espelho do sangue derramado esta noite, e que infelizmente é o inicio de um derramamento muito maior de sangue de inocentes, pessoas que reivindicam o direito a sua terra, que lhe foi tirada pela violência.
            Esta tranqüilidade momentânea me faz refletir que me importo apenas com aqueles que me querem bem, o restante procuro perdoar por sua insensatez, sei que tenho uma consciência diferente dos demais desta cidade e se gotas de sangue inocente foram jorradas esta servem de feridas aqueles que merecem a foice, não me importo realmente.
            Aqueles que fazem com que meu coração renasça a cada dia estes possuem valor. Roberta e Thuocawa.


















 
“...Acima da verdade estão os deuses
A nossa ciência é uma falhada copia
Da certeza com que eles
Sabem que há o universo
                
Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence a ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como as flores,

Porque visíveis a nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra natureza...”

Fernando Pessoa

CAPITULO IX

ROBERTA ENTRA

            Como tarda o encerramento desta reunião, parece-me que estes homens e mulheres querem lembrar-me a todo instante que Fendrue esta preso, de mãos atadas, sendo torturado a ponto de morrer, mal alimento-me, preciso descansar. Todos os rituais e cultos se realizaram e não sei o que faço ainda aqui neste lugar.
            Tenho de escrever a carta para Rose, algo de muito ruim se passa com ela e a situação que Fendrue encontra-se não me deixa dormir e alimentar-me, porém Rose faz parte de meus pensamentos noite e dia, dês de que nos separamos tenho o costume de sempre dedicar um momento em meu dia para pensar nela, uma parte de mim ficou do outro lado dos mares na Nova Inglaterra e prometi dês de minha infância que iria resgatá-la.
            Estava a ponto de partir e Fendrue foi preso. As duas pessoas que mais amo neste mundo precisam de mim e sinto-me impotente perante as duas situações.
            Não sei exatamente como descrever Fendrue, ele é meu marido, amante, irmão e também exerceu a posição de um pai em minha vida. Estou com dezoito anos agora e o conheci quando tinha apenas treze, desde então o mesmo sangue corre em ambas as veias.
            Fendrue nasceu na Rússia e veio com sua família para a Inglaterra quando era adolescente, um homem de estatura mediana, forte, tem cabelos ruivos, olhos azuis glaciais. Seu temperamento é forte como seu físico, é obcecado pela justiça, trabalha arduamente pelos mais fracos e me fez sofrer muito por sua teimosia e sua sede de conhecimento.
            Ficamos dois anos separados e neste período seu irmão Frederick ficou encarregado de cuidar da minha segurança e tanto o fez que em certa ocasião me salvou a vida.
Fendrue procurou por mim em toda Europa e finalmente quando o destino nos fez reencontrar na Inglaterra ele foi encontrado e preso. A guarda inglesa procurava Fendrue por um assalto a uma propriedade, por organizar turbas contra o reinado, espalhar folhetos contra o rei e comandar reuniões reivindicando menores impostos sobre os camponeses e também combatendo a desapropriação de terras por parte dos monarcas.
E o que as autoridades desconhecem é que Fendrue representa o Sacerdote Maior de nossa Sociedade Secreta “Ordem Oculta Luz Sabá” o que é considerado também um crime contra o Alto Clero.
Estamos todo o grupo em um local subterrâneo construído sob a casa de um dos integrantes de nossa sociedade. Trata-se de uma biblioteca, sala de estudos e salão de rituais, onde também realizamos nossas reuniões.
Minha presença não ocupa a sala, noto que alguém do outro lado da grande mesa esta a fitar-me, é Clauser:
_Onde esta Roberta? – ele pergunta com um tom irritado _ Estamos prestes a articular a investigação na catedral, temos que obrigar-nos atenção especial afinal Josué esta a arriscar sua própria vida disfarçando-se de presbítero e assim obtermos informações sobre o local onde esta preso nosso sacerdote, disso depende sua vida.
_A todo momento sou lembrada que Fendrue desfalece a cada dia, não consigo cerrar os olhos, não sei mais o que é adormecer e alimentar-me depois que foi aprisionado, como se estivesse em seu corpo, sentido o que ele esta a sentir – não consigo conter as lagrimas – E nada posso fazer Clauser, tenho que esperar mesmo tendo o desejo de cravar meu punhal no carrasco que quer lhe tirar a vida!
            Desato em um choro desconsolado, todos levantam irritados como se fosse uma pessoa que tivesse motivos para tanto. Alguns acendem seus cigarros e conversam pelos cantos, outros se calam devido a gravidade da situação. Fendrue foi condenado a forca e temos apenas um mês para tentarmos impedi-los.
            Clauser aproxima-se segurando uma lamparina:
_Acompanhe-me Roberta.
            Sigo seus passos, ele leva-me a uma sala muito usada por Fendrue mas que ainda não havia adentrado, preocupo-me com a pratica, sempre deixei a teoria e os experimentos com ele. Dedico-me ao nosso sacerdote maior e principal, aquele que rege as sete magias, Deus, Onipotente, Onisciente e Onipresente.
_Posso sentir a presença de Fendrue aqui – digo – Cada solução em seu devido lugar, impecável organização, soluções invitradas e nomeadas.
            Clauser me entrega um pequeno vidro:
_O que é isto?
_Beba antes de deitar-se – ele diz – Se a insônia continuar veremos o que vamos fazer.
            Uma solução transparente como água.
            Clauser como vários outros é um de nossos investidores, sem eles nossa sociedade e nossas causas não poderiam seguir seu curso. Ele é um Conde e possui um castelo na Alemanha, nosso próximo destino após resgatarmos Fendrue e posteriormente Rose.
            Volto ao salão principal na companhia de Clauser e digo a todos que não tenho condições físicas e psicológicas para continuar, subo as escadas, visto meu sobretudo e encaro o frio londrino até minha carruagem, meu cocheiro me esperava pacientemente. Como sempre averiguo se não estamos sendo seguidos, a muito tempo tenho um síndrome de perseguição e sempre foi útil nesta vida que levo, isso começou no inicio de minha adolescência quando um amigo de minha mãe resolveu ficar obcecado por mim, nada de grave aconteceu creio eu por intervenção dos anjos que me acompanham.
            Quando ainda era criança, nas brincadeiras de pega, toda a vez que corria tinha vontade de gritar de pânico por estar sendo perseguida.
            Sou muito parecida com minha mãe Elizabetthy e exerço também um poder de atração sobre os homens, tenho cabelos compridos e negros e olhos verdes, diferente de mim , minha amiga Rose tem cabelos castanhos, ligeiramente ruivos e olhos azuis. Não sei porque estou a pensar tanto em sua pessoa ultimamente, mas minha intuição me diz que precisa de minha ajuda.
            O passado e a infância sempre estão vivos dentro de mim, uma ligação carnal com o que vivi na formação de meu caráter, aqui na Europa perdi o contato que tinha com crianças e mamãe ocupava-me com aulas de línguas e como também era de seu interesse viajar o mundo após a morte de meu pai, era obrigada a aprender com ela, compreendi depois o quanto me foi útil.
            Chegamos em nosso destino caminho em direção a minha casa e o frio esta a congelar-me, tenho de cobrir-me por completo espero não ser vista pela vizinhança chegando neste horário em casa, mulheres tem hora para se locomoverem e já tive o desprazer de ouvir da boca de burgueses que Londres é avançada demais contra os costumes familiares. Que escória.
            Minha casa agora é sombria e sem vida com a sua falta, Fendrue passava a maior parte do tempo ocupado, os poucos instantes que aqui esteve preencheu todos os cantos trazendo-me o prazer de estar ao seu lado. Ele se encontra preso em uma província não muito longe e o desejo que tenho de entrar em minha carruagem e correr em sua direção é incontrolável, penso sempre que nosso plano esta em andamento, de nada adiantou estar na reunião, ao contrario dispersei energias solucionadoras trazendo aflições aos demais.
            Recordo-me que tenho de escrever logo a minha amiga, a segunda carta. Tenho de alertá-la que não chegarei no tempo previsto e prepará-la para todas as mudanças que ocorrerão em sua vida num tempo muito curto.
            Vou em direção a cozinha preparar meu banho, Bárbara não esta aqui para auxiliar-me, pedi para ficar sozinha esta noite e ela ficará mais um dia na casa de Susie. Algo faz com que pare, vejo um ponto branco de luz como uma estrela no fundo da sala, tenho algo que beber, procuro fazer as coisas com maior rapidez para logo fazer o que Clauser mandou.
            Faltam apenas dois dias para que o mensageiro leve a correspondência, deixarei para escrever ao amanhecer quando as idéias estiverem claras em minha mente, minhas pernas estão fracas, não consigo sequer caminhar sem dificuldade, tenho forças apenas para banhar-me e deitar, mente e físico padecem neste momento. Por onde passo deixo um rastro de escuridão, a casa vazia, sem a energia dele e seu magnetismo que exerce um poder sobrenatural em todo o meu ser.
            Procuro desviar meu pensamento desta lembrança mas é quase impossível, penso em deitar, adormecer e ficar ao seu lado não importando a distancia e as muralhas que nos separam, encontro-me perto como seu próprio sangue, aliviando suas dores carnais e espirituais com meu poder de cura, prometo não chorar esta noite, beberei a solução esperando que tenha sido preparada por ele, imagino sua pessoa aqui, no banheiro, acariciando-me como fez todos os dias.
            O frio faz com que seja rápida em meu processo de higiene corporal, nossa casa felizmente possui uma forma inteligente de aquecimento, o calor do fogo na lareira em meu quarto aquece todas as paredes, olho a neve que começou a cair a fora e surpreendo-me com o calor que aqui faz, mesmo que minha cama ainda esteja fria, isso me tira totalmente o sono, noite após noite depois que foi preso, tenho novamente o impulso de querer pegar meu punhal ou qualquer outra arma e vingar-me de meus inimigos, de quem tira-me a presença do ser que mais amo neste mundo, daquele que ensinou-me o que sei, que faz parte de meu respirar.
            Retenho a solução em minhas mãos e sua imagem nua aparece diante de meus olhos, sei que não é ele fisicamente em minha presença, meu corpo arrepia por completo, ele aproxima-se pega em minhas mãos e faz com que beba o liquido, fecho meus olhos, bebo e ao abri-los ele não esta. Desconheço se minha fraqueza faz com que tenha delírios ou sua presença espiritual aqui esteve por um instante, deito-me, desdobro-me no astral, corpo em descanso e espírito em luta.
            Entro por um corredor escuro, um lugar úmido e sombrio, sigo o caminho em levitação, sendo atraída por uma corrente rápida de energia, levando-me a uma porta de madeira, com uma pequena janela com grades, percebi que passei por vários vultos negros. Seriam pessoas?
            Ultrapasso esta grossa porta e posso vê-lo, como esta magro, procuro não abalar-me para que não volte ao estado consciente, quero estar ao seu lado não importando o sofrimento, saberei com esta, aproximo de seu corpo, noto que respira, com muita dificuldade, ele não sente minha presença, estes demônios não o soltam para suas necessidades, esta acorrentado nos pulsos e tornozelos, felizmente não há marcas de flagelos.
_Fendrue em breve isso vai acabar, estaremos juntos novamente, estará comigo.
            Observo algo em seu rosto, como relâmpagos que me fazem adentrar em sua mente e como se continuasse em um sonho me transporto  para um vasto salão, é dia, em que tempo ou lugar não sei, os trajes de todos a minha volta tem uma riqueza nos detalhes, porém que não se usa mais, creio que foram usados a uns dois séculos atrás, minha pele é negra, e nada me espanta, como se tivera uma outra vida e outra consciência, estou servindo vários homens na sala, todos riem e nada compreendo do que estão a falar.
            Meus trajes são indecentes, um vestido todo rasgado, sujo caído nos ombros, próximo ao nu, alguém dentre eles me observa, passa seu olhar por todo o meu físico, com ares de um prazer incalculável, vou a direção da cozinha e este homem me segue e surpreende-me tapando minha boca e levando-me a fora. Sou levada a força para um cavalo, não consigo resistir a sua força, não consigo ver seu rosto sob a montaria, seu corpo esta junto ao meu, ele cavalga muito rápido e suas mãos estão a apertar meus seios.
            Adiante, em uma plantação próxima a casa ele para o cavalo e joga-me em meio a relva, fico paralisada vendo seu olhar selvagem e ouvindo seus risos, ele rasga toda minha roupa, toma-me como a um animal, sua pele tão branca e lisa me da um imenso prazer. Como um felino ele morde-me fortemente mas nada sinto, vira-me de costas e não consigo ver mais sua feição mas suas gotas de suar caem sobre meu rosto, ele continua em seu impulso, sinto um desejo estranho de não querer mais sair daqui onde estou, e algo me traz uma sensação familiar a minha consciência e percebo que entrei nos registros profundos de Fendrue e aqui estou.
Na filosofia indiana este lugar escondido na mente se chama registro akáshico e lá estão guardados as lembranças de todas as vidas passadas. Nós adeptos da “Ordem Oculta Luz Sabá” acreditamos na reencarnação do espírito.
            Sinto mais uma vez toda a forte energia que faz parte do interior de meu marido e desperto deste estado inconsciente mas que para mim é muito mais real do que qualquer coisa palpável, quero gritar de desespero mas sufoco o grito. Espanto-me, já é dia e meu corpo readquire o vigor de lutar, ao mesmo tempo que um vazio toma conta de minha alma, mas isso não me traz mais o desânimo e sim a certeza de que através de minha ajuda Fendrue será libertado, mesmo que isso custe-me a vida.
            O silêncio da casa, a luz repentina do sol despertando-me graciosamente soa-me como a voz dele dizendo-me: Bom dia meu amor. Tenho de recuperar-me, não lutarei mais contra o meu próprio bem estar me auto flagelando, afinal isso não resolverá nada, e sim lutarei, contra aqueles que crêem-se morais e vivem em meio a podridão mundana, alimentando-se do sangue derramado dos mais fracos.
            Levanto-me, a estas horas minha cozinheira Sara já chegou, como Bárbara não esta pedirei a ela auxilio para o meu banho e para vestir-me.
Sara é filha de judeus, o dia que bateu a minha porta implorou por trabalho porque ninguém queria seus serviços, existe muito preconceito na Inglaterra e em toda a Europa, ela tem os traços orientais, tem uns trinta anos e ao meu ver é muito bonita, mesmo ainda jovem já possui três filhos e graças a minha ajuda conseguiu uma moradia descente e vive feliz com sua família não muito longe daqui.
Banho-me com calma, e fico feliz por ter conseguido dormir esta noite, tenho muito que fazer, marquei um encontro com Ivensan, ele foi incumbido por todo o grupo de levar a carta a Rose, chegamos a um consenso que ele poderia fazer a viagem e esperar-me em Nova York até o momento de minha chegada.
Ivensan é jovem como eu, é sueco, tem todas as características físicas de um nórdico, conheço-o dês da época que abrimos uma fabrica de móveis na Suécia, por demonstrar ser uma pessoa confiável logo começou a participar das reuniões de nossa sociedade secreta, Fendrue considera-o como um filho.
Coloco meu vestido púrpura e como de costume logo que Sara me da as costas e retorna a seus afazeres pego meu punhal e escondo no espartilho. Trago-o sempre comigo caso alguém tente ferir minha integridade física.
Sento-me em frente a pequena mesa ao lado de minha cama e inicio a carta para Rose, sei em meu intimo que ela também necessita de minha presença em sua vida, ela possui faculdades psíquicas que não imagina, juntas seremos um só ser lutando em favor da Luz.

**********************************************************************************************

CARTA DE ROBERTA PARA ROSE

Rose

          Sigo calada. Em minhas reflexões a saudade que tenho tende a aumentar a cada dia, meus sonhos seguirão intermináveis e ligados a pureza que nos guia, e amanhã lutarei como hoje lutei para que nossa comunicação verbal se conclua e finalmente a traga para os braços daqueles que querem seu bem sem te conhecer.
          Minha amiga, saiba que há muito tempo me acompanha em meus pensamentos, é a pessoa que confio neste momento, aqui onde encontro-me as paredes escutam e as janelas sopram um vento assustador e da morte que esta presente e apavora-me.
          Existem pessoas amadas inclusas e tu é uma delas. Prepare-se pois as correntes que nos são impostas não são infinitas e o cosmos que nos circunda abrirá todas as portas e jamais todo ensinamento nos será poupado, mesmo havendo barreiras intransponíveis estas serão destruídas pelas asas aladas dos anjos.
          A viajem esta por vir, meu trabalho aqui terminará, em breve estarás a lutar ao meu lado, do modo como inconsciente já esta. Lhe digo que contendas políticas me ocupam todo o tempo e o que é possível manipulo a meu favor e de forma exata. Meu futuro depende de mim e também nossa sorte, agora são 08:15 da manhã, me despeço com fervor e ansiedade por nosso encontro.
          Não se esqueça jamais todos os dias das músicas dos deuses, mesmo que não seja permitido escutar aos domingos em jejum, escute!
          Dentro de algumas semanas a carta estará em suas mãos, por favor pense em nós e confie que sou quem espera que seja e que seus dias de liberdade chegarão.
          A amo. Da sua irmã espiritual.
          Viva Sabá.
          Roberta

**********************************************************************************************
OBS: Fendrue explicará a todos que existe um motivo político por traz do Livro Negro da Santa Inquisição.